Este artigo é uma tradução livre deste post original, escrito por Marty Cagan e publicado no blog do SVPG. Por ser um conteúdo de altíssimo valor, achamos que seria uma boa ideia traduzi-lo para ajudar a comunidade brasileira de Produto a evoluir. Vamos lá!
Em meu último artigo, destaquei uma das principais patologias que enfraquecem produtos e gerentes de produto. Embora a patologia do CSPO esteja em plena expansão, ela é relativamente nova em comparação com a patologia do MBA.
Não escrevi muito sobre a patologia do MBA. Em alguns dos meus artigos, faço algumas alusões à ela, mas, há alguns anos, eu acreditava que essa patologia se resolveria sozinha. É claro que eu estava muito otimista. E caso você esteja pensando que, se os problemas mais conhecidos dos programas de MBA fossem uma realidade há 10 ou 20 anos, eles não poderiam acontecer hoje, minhas evidências para este artigo foram coletadas neste trimestre acadêmico. E os dados vieram dos programas de elite do país.
Então, não, essa patologia infelizmente está mais forte do que nunca.
Mas antes de mergulharmos nisso, faço algumas isenções de responsabilidade:
Primeiro, não tenho um MBA. Se tivesse feito um, talvez me sentisse diferente sobre essa patologia.
Em segundo lugar, não é segredo que existem muitos líderes fortes no Vale do Silício que têm grande resistência aos programas de MBA. Eles sentem que esses cursos trazem uma mentalidade errada, atitudes arrogantes e habilidades obsoletas:
“Evite contratar pessoas com MBA quando for possível. Programas de MBA não ensinam a criar empresas… acreditamos que contratamos alguém apesar de um MBA, não por causa dele.” – Elon Musk
“Quando pessoas com MBA chegam até nós, temos que treiná-las em todos os pontos – nada do que aprenderam as ajudará a ter sucesso na inovação.” – Scott Cook, fundador da Intuit
“Nunca, jamais, contrate alguém com MBA; eles vão arruinar sua empresa.” – Peter Thiel
“Para cada engenheiro em tempo integral, acrescente $ 500.000 [no valor da empresa]. Para cada pessoa com MBA, subtraia US $ 250.000.” – Guy Kawasaki
Essa é uma crença que se espalhou no Vale do Silício por várias décadas.
Entendo por que pensam assim, mas não sou uma dessas pessoas.
Contratei e treinei muitas pessoas extremamente capacitadas que vieram das principais escolas de negócios e conheço várias outras pessoas assim.
Além disso, em minha própria experiência, descobri que muitos dos alunos aceitos nos melhores programas de MBA geralmente têm o potencial necessário para serem treinados e se tornarem excelentes gerentes de produto e até fortes líderes de produtos ou de empresas.
Dito isso, mesmo no caso dos com maior potencial, geralmente há algo para ser “desaprendido”. E quando esse processo não acontece, percebo que isso leva a muitos dos sérios problemas que vemos nas empresas hoje, principalmente, naquelas que são vítimas da disrupção.
E para ser claro aqui, não estou falando apenas sobre gerentes de produto e líderes de produto.
Também estou falando sobre VCs e outros investidores, membros do Conselho, CEOs, CFOs e GMs / líderes de unidades de negócios e outros stakeholders.
Mesmo quando esses líderes não têm um MBA, eles acabam aprendendo com outros os mesmos comportamentos problemáticos.
Se você não está disposto a treinar e desenvolver pessoas com um MBA para ajudá-las a desaprender o que for necessário, então, é melhor evitar contratar quem tem MBA. Mas, para mim, a recompensa vale o esforço. Em geral, essas pessoas têm muito potencial. E não estou sozinho. Várias das grandes empresas de produtos recrutam diretamente nos principais programas das escolas de negócios. Eles apenas sabem que precisam “desprogramar” os alunos, como um de meus amigos da Google diz em relação ao processo de desaprendizagem.
Faz tempo que esses problemas são atribuídos ao fato de que os programas de MBA foram projetados para ensinar a mentalidade de gerenciamento no modelo de comando e controle no estilo industrial.
Embora eu ache que isso era verdade há muito tempo e, infelizmente, ainda seja verdade em grande parte, também acredito que esse pensamento é muito simplificado. Os programas de MBA não são necessariamente ruins, e as pessoas que se formam neles também não são ruins por si só.
Em vez de colocar tudo em um mesmo saco, acredito que vale a pena examinar a patologia mais a fundo.
Categorizo os pensamentos e comportamentos problemáticos em quatro principais áreas:
Equacionando gestão com liderança
Mesmo deixando de lado o fato de que o estilo de gestão aprendido (comando e controle) não é, em geral, adequado para uma empresa movida a tecnologia (como vamos ver abaixo), ainda há uma ideia de fusão entre gestão com liderança profundamente enraizada.
A crença de que gerentes devem ser vistos como líderes, ou, melhor, de que eles deveriam agir como “o chefe”.
Para ser justo, é difícil culpar alguém que acabou de investir muito dinheiro e dedicou dois anos de sua vida a um diploma em administração de empresas por pensar que é seu direito assumir o papel do chefe.
E lembre-se de que ambição e competitividade são critérios de seleção nesses programas de ponta.
Para aqueles que saem da escola de negócios diretamente para um cargo de gestão de produtos, isso pode ser bastante problemático. Muitas vezes, tive que intervir e mostrar para um gerente de produto que ele não é o chefe de ninguém.
Como gerente de produto, você oferece contribuições de forma individual. Você trabalha em parceria com designers e a engenharia.
Além disso, você precisa conquistar seu lugar como parte da equipe. E isso normalmente requer habilidades que você não aprende na escola de negócios.
Agora, uma coisa é ouvir essas palavras. Mas elas vão tão contra o que as pessoas com MBA ouviram nos últimos 2 anos, que a prática pode exigir um desaprendizado significativo e contínuo.
Não dá para saber o que você não pode saber
Não admitir o que você sabe está relacionado ao problema de não saber o que você não pode saber. Assim como a ilusão de previsibilidade.
E isso é especialmente difícil. A crença na previsibilidade, a religião dos casos de negócios, a fé inabalável na análise de negócios e, de forma mais geral, a pressão para ter “a resposta”.
Toda a premissa do product discovery é que, no caso das soluções de tecnologia, não podemos saber com antecedência quanta receita será gerada, ou mesmo se os clientes comprarão nossos produtos, ou quanto custará para construí-los.
Isso pode ser difícil de desaprender. A maioria de nós descobre isso com base em nossa experiência, mas o que atrapalha as pessoas com um MBA é que elas acreditam que deveriam saber tudo isso e, se não souberem, isso evidenciaria suas fraquezas, em vez de apenas mostrar a realidades do universo da inovação.
Esses são tópicos necessários de serem trabalhados, especialmente no caso dos gerentes de produto.
O papel da tecnologia
Um dos problemas mais sérios e enraizados é encarar a tecnologia como um centro de custo, e não como o facilitador central do negócio.
De quantas maneiras, explícitas e implícitas, em um programa de MBA, é reforçado que o gerente é o responsável pelas decisões e que podemos contratar engenheiros e designers para simplesmente assumir suas funções?
É alguma surpresa que tantos vejam os engenheiros e designers como subordinados? Ou, pior ainda, como recursos que podem ser facilmente terceirizados?
Estilo de liderança de comando e controle
Agora, não me levem a mal, duvido muito que alguém se sente em uma sala para ouvir um professor listar virtudes de “comando e controle” como um estilo de liderança.
O que estou sugerindo é que isso é inferido ou implícito. Considere os muitos estudos de caso, palestrantes convidados, livros de negócios e toda a mitologia em torno do líder em que essa figura é a personificação do comando e do controle.
Não sei, aliás, se os programas de MBA sequer existiriam sem essa visão dos líderes como tomadores de decisão.
No entanto, as melhores empresas de tecnologia sabem que equipes capacitadas, e não sessões de estratégia de negócios, são a origem da inovação.
Como Reed Hastings, da Netflix, enfatiza, “lidere com contexto, não controle” e trabalhe para repassar as decisões às equipes.
Para ser mais claro, não estou sugerindo que os líderes não devam liderar (um equívoco comum em certos círculos Agile). Eles deveriam. A questão é como eles lideram.
Passei a acreditar que esses problemas fazem parte da maioria dos programas de MBA.
Para uma empresa que quer se transformar, essas questões precisam ser desaprendidas pela equipe de liderança sênior.
Mas eu gostaria de me aprofundar no fato de pessoas com um MBA se tornarem gerentes de produto.
Além dos 4 problemas discutidos acima, culpo a patologia do MBA na medida que ela está relacionada ao gerenciamento de produto do antigo estilo CPG (bens de consumo embalados / gerente de marca).
Há alguns anos, Martin Eriksson escreveu um excelente artigo descrevendo essa história e, mais recentemente, Ken Norton também a destacou, então, não vou repeti-la aqui.
Mas hoje, tenho uma avaliação muito mais profunda de quão diferente é o gerenciamento de produtos de tecnologia em comparação ao dos gerentes de produto CPG (que hoje estão muito mais alinhados com o que nós, no mundo da tecnologia, chamamos de Product Marketing Managers).
E, com certeza, ainda há necessidade de gerentes de produto de CPG. Não sei se, no mundo, há mais gerentes de produto CPG ou gerentes de produto de tecnologia, mas tenho certeza de que estes últimos estão crescendo mais rapidamente (já que quase todos os produtos utilizam tecnologia).
No entanto, mesmo hoje, se você examinar as grades curriculares dos principais programas de MBA, principalmente dos cursos que ensinam sobre gestão de produtos, você vai ver que a maioria dos professores são de marketing.
Agora, não há dúvida de que o bom marketing é difícil de fazer e também muito valioso, e de que o conhecimento em marketing ajuda o gerente de produto a ter uma melhor compreensão sobre inserção no mercado, mas outras referências são igualmente importantes.
Quanto disso é apenas uma herança do CPG? Quanto é consequência de ver o produto por meio do marketing?
Se você fosse responsável pelo desenvolvimento de uma nova marca de sabonete ou de cerveja, teria que fazer, principalmente, um exercício de marketing, e não de inovação.
Eu me lembro de quando queria aprender sobre gerenciamento de produto. A pessoa que estava me treinando me disse para ignorar os livros sobre o assunto, porque embora estivessem falando de um tema em comum, eles estavam se referindo a um contexto muito diferente. Agora entendo o que ele quis dizer.
É claro que o preço, a praça e a promoção ainda importam, mas não como na época da série Mad Men.
Hoje, o product discovery em uma empresa de tecnologia é dominado por uma intensa colaboração com engenharia e design a fim de alinhar as funcionalidades tecnológicas à experiência do usuário, para entregar real valor aos clientes e ao seu negócio.
Quantos programas de MBA estão ensinando esse tipo de colaboração, em comparação aos que ainda ensinam o modelo CPG, em que o gerente de produto constrói um caso de negócios com base em previsões de receita e de despesas de design e engenharia e, então, define os requisitos para, finalmente, procurar alguém para implementar suas idéias brilhantes?
Suspeito que a maior parte do corpo docente do MBA não tem consciência sobre suas predisposições a respeito de todas essas questões, mas há evidências suficientes para atestar o que está acontecendo e vem acontecendo há décadas.
Uma enxurrada de produtos ruins
Nos últimos anos, observei que, quando a patologia do CSPO e a patologia do MBA convergem na mesma empresa, os resultados são bastante perigosos.
Em muitas empresas, especialmente nas maiores e mais antigas, que ainda não entendem o papel da tecnologia, você muitas vezes vê centenas de stakeholders e executivos que foram educados na patologia do MBA. Principalmente, no que se refere à dependência do estilo de liderança de comando e controle e à ilusão de previsibilidade. Eles encontram um mercado repleto de coaches Agile que lhes dizem exatamente o que querem ouvir – que eles podem comandar a todos, ter o controle que amam e ainda se considerar “Agile” (se o processo tem “Agile” no nome, deve ser Agile, certo?) – tudo o que eles precisam fazer é adotar o processo certo.
Aqui está a incubadora perfeita para um mal como o SAFe.
Não estou tentando repetir todas as razões pelas quais este é um mal mortal. Só quero tentar destacar aqui que ele advém dessas duas patologias.
Resumo
Para ser muito claro, não estou argumentando aqui que um MBA é de todo ruim, já que alguns dos melhores profissionais de produto que conheço trilharam esse caminho.
Estou apenas argumentando que a maioria dos programas de MBA estão explícita e implicitamente internalizando alguns valores muito obsoletos e prejudiciais que estão infectando as empresas e afetando a capacidade do negócio de se transformar e criar produtos relevantes.
Para se transformar, as pessoas precisam desaprender essas crenças se desejam competir com as melhores empresas e não se tornar mais uma vítima da disrupção.
Para aqueles que estão considerando um MBA e acompanhando meu pensamento, raramente incentivo as pessoas a buscarem o diploma, porque acho que há usos muito melhores do seu tempo e do seu dinheiro para seguir uma carreira em produto ou iniciar sua própria empresa.
Mas se você realmente deseja fazer um MBA, certifique-se de que o seu curso seja um dos melhores, já que o valor principal vem do networking. Além disso, se você tem pelo menos alguns anos de experiência profissional em uma boa empresa de produtos, você estará imune aos 4 problemas que descrevi acima.
Hoje, muitos programas de MBA têm pelo menos alguns professores e cursos mais modernos, mas o problema é que a maior parte do que os alunos ouvem ainda é sobre comando e controle. Na minha opinião, é necessário fazer uma revisão total do conteúdo e das mensagens passadas para acabar de vez com o pensamento obsoleto. Mas ainda há e haverá muita resistência em relação a isso.
Por conta do assunto abordado neste artigo, procurei alguns revisores especialistas para saber suas perspectivas, incluindo Shreyas Doshi, Ken Norton e meus parceiros SVPG, Chris, Christian, Lea e Jon, e agradeço a todos por seus feedback e sugestões.
Atualização:
Depois de ler o artigo, várias pessoas me perguntaram sobre minhas experiências com programas de MBA Executivo. Primeiro, mais de curiosidade, há muitos anos, fiz um daqueles programas voltados para executivos de tecnologia, na Universidade de Stanford. Era um programa de férias e foi pago pela minha empresa. Gostei e aprendi muito, especialmente com o método de estudo de caso. Em segundo lugar, a grande diferença que vejo é que, em geral, as pessoas que frequentam esses programas de MBA Executivo já têm uma experiência significativa de trabalho e se inscrevem para preencher algumas lacunas de conhecimento específicas.
E mais uma vez, para aqueles que talvez tenham perdido essa informação: contratei e continuo contratando muitas pessoas incríveis que participaram desses programas, então, não sou um daqueles que dispensam todos que têm um MBA. Estou apenas compartilhando que descobri que esses quatro comportamentos problemáticos precisam ser reavaliados e, se necessário, treinados para garantir que a pessoa seja bem-sucedida. Assim como acontece com profissionais formados em engenharia, como eu, ou em design, ou em qualquer outra área. Quase todo mundo tem lacunas e precisa de treinamento. Esses são apenas os padrões comuns que vejo para aqueles que vêm de programas de MBA. Considere isso um ponto de partida para o seu próprio treinamento.
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