Lean Inception: como alinhar pessoas e construir o produto certo
Bruno Mata

Bruno Mata

13 minutos de leitura

Lean Inception (LI) é um workshop colaborativo que tem ficado cada vez mais famoso na comunidade ágil e no ecossistema de Produto. Inclusive, eu já perdi a conta do número de publicações no Linkedin que mostraram a capa do livro de forma elogiosa e animadora.

capa do livro

Com a linguagem descomplicada e com muitos recursos visuais, o livro de Paulo Caroli, que ensina como aplicar esse workshop, tem sido a escolha preferida dos produteiros e agilistas, especialmente aqueles que estão começando sua jornada agora.

Infelizmente, tudo que é muito difundido no mercado acaba ganhando uma certa dose de incompreensão, e não seria diferente dessa vez. A popularidade da Lean Inception faz ela ser encarada como uma “bala de prata” na construção de produtos, e isso é bem preocupante.

Porém, eu e você sabemos que, no mundo incerto e complexo de hoje, não existe um método mágico que resolverá todos os nossos problemas. Aquilo que faz um produto prosperar, portanto, é o trabalho inteligente e constante de muitos profissionais competentes. Ou seja, ter sucesso é mais sobre usar ferramentas adequadas ao longo do tempo do que ter uma ferramenta predileta.

Então, além de trazer uma visão completa sobre como fazer uma Lean Inception, estou te escrevendo para te alertar sobre o que fazer antes e depois desse famoso workshop, que é bastante útil, mas sozinho não faz milagre. Assim, vamos dividir nossa conversa em 5 blocos de conhecimento:

  • Em que contexto a Lean Inception surgiu?
  • Passo a passo da Lean Inception
  • Pré-workshop de LI
  • Pós-workshop de LI
  • Conclusões

Antes de começarmos, quero te pedir para fazer esse artigo chegar ao máximo de pessoas possível, porque realmente acredito que a comunidade precisa, imediatamente, de mais conhecimento sobre isso. Envie esse artigo para alguém que possa se beneficiar!

Em que contexto a Lean Inception surgiu?

Se você é uma pessoa com um pouco mais de idade ou se interessa pela história dos métodos ágeis, vai lembrar que um jeito muito comum de se fazer software ali pelos anos 70 era a maneira preditiva. Ou seja, tentávamos prever tudo o que seria feito, antes que qualquer programador começasse o desenvolvimento de software de fato.

O fluxo era mais ou menos como mostra a imagem abaixo, retirada do artigo “Managing the Development of Large Software Systems“, do Winston W. Royce, datado de 1970. 

Essa abordagem sequencial e de tamanho de lote grande ficou conhecida como “Waterfall“, justamente pelo diagrama se parecer com a água fluindo e descendo sobre algumas pedras, como em uma cascata.

Olhando por uma perspectiva de negócios, existem 2 problemas principais no modelo preditivo, quando aplicado ao desenvolvimento de produtos digitais de alta incerteza e baixo custo de mudança:

  • Time-to-market altíssimo: como o desenho indica, a parte de execução só acontece depois de um tempo significativo de planejamento;
  • Dificuldade de adaptação: há pouca ou nenhuma entrega incremental ao longo do tempo, o que implica em uma quantidade menor de feedbacks.

O resultado disso são produtos tardios, pouco aderentes ao mercado e com um desperdício enorme de tempo e dinheiro. E esse é o exato contexto em que se populariza o desenvolvimento de software ágil, expressado por métodos e frameworks bem famosos, como o Scrum, o eXtreme Programming (XP) e o Crystal Clear, por exemplo.

A maneira adaptativa (ágil) de fazer as coisas possui como características principais a existência de ciclos de aprendizados mais curtos e tamanhos de lote menores, justamente para melhorar a adaptação e o time-to-market, aumentando a chance de gerar valor pro cliente e para a empresa em um ambiente incerto.

Por outro lado, se você conhece os métodos/frameworks que eu citei mais acima, sabe que eles falam muito mais sobre como construir produtos do que como idealizá-los. Inclusive, o Martin Fowler, um dos mais famosos desenvolvedores de software do mundo, falou o seguinte:

“O mundo ágil descartou esses longos períodos de análise prévia, mas ainda reconhecemos que há valor em começar algo com um senso de direção inicial.

Ok, essa frase faz bastante sentido. Mas como dar esse senso de direção de forma enxuta, organizada e mais orientada ao cliente?

A partir disso, ao longo do tempo, surgem movimentos que buscam resolver esse problema, como o Design Thinking e o Lean Startup, que traz o conceito importantíssimo de Minimum Viable Product (MVP).

É dessa fonte que o Paulo Caroli bebeu para construir uma maneira simples e sistemática de alinhar pessoas para construir produtos mais bem-sucedidos: a Lean Inception.

Passo a passo da Lean Inception

Na prática, a Lean Inception é um workshop colaborativo que visa assegurar que as pessoas envolvidas tenham um entendimento compartilhado sobre os MVPs do produto, além de criar um plano inicial para que o produto comece a ser trabalhado.

MVP é um assunto bem longo e com muita confusão na comunidade. Então, para facilitar, vou elucidar os principais conhecimentos sobre isso:

  • MVP é a versão mais simples de um produto que pode ser disponibilizada para a validação de um pequeno conjunto de hipóteses sobre o negócio;
  • MVP não significa que o produto não vá evoluir e que suas funcionalidades não serão incrementadas, muito pelo contrário. Esses incrementos também são MVPs, novos produtos mínimos adicionados aos produtos mínimos já validados;
  • MVPs servem para validar algo, certo? Então, a única maneira de você fazer isso é com dados, que podem dar uma resposta positiva ou negativa às suas hipóteses.

Observe, na imagem abaixo, que este conceito deve cumprir 4 características, que precisam ser dosadas adequadamente: ser factível (possível tecnicamente), ser valioso para o negócio, ser usável (segundo às necessidades do cliente) e ter o fator “uau”.

pirâmide de características do MVP

Esclarecido os pontos básicos sobre MVP, vamos voltar ao nosso tema principal.

A duração de uma Lean Inception é de 5 dias, e ela possui diversas atividades em grupo a serem feitas, que podem ser organizadas e ordenadas de diferentes formas. O que eu farei a seguir, portanto, é te explicar e dar exemplos visuais de como funciona cada uma das atividades, na ordem orientada pela própria Caroli.org.

Para isso, vou usar um template oficial de Lean Inception no software Mural, disponibilizado aqui. Vem comigo!

Kick-off

É o momento dos stakeholders falarem, em alto nível, sobre o produto/ideia a ser trabalhado no workshop, além de deixar todas as pessoas alinhadas com as agendas da semana. Inclusive, é no kick-off que todos são introduzidos ao conceito de MVP, que será bastante referenciado ao longo dos dias.

Passo a passo do kick-off

Visão do produto (Atividade 1)

Consiste em uma conversa com todos os envolvidos para definir, em uma única frase, a visão do produto (sua essência). Geralmente, usa-se o template da obra “Crossing the Chasm“, do Geoffrey A. Moore, que a Lean Inception incorporou.

passo a passo da visão do produto

Dinâmica de alinhamento (Atividade 2)

Aqui é hora de alinhar o “É/Não é – Faz/Não faz”. Essa é uma dinâmica para alinhar o que o produto será, o que ele não será, o que ele fará e o que não fará quando for construído.

passo a passo do alinhamento

Objetivos do produto (Atividade 3)

Consiste em cada pessoa compartilhar sua visão sobre quais são os 3 principais objetivos para o negócio que o produto se propõe a atingir.

definindo os objetivos do produto

Personas (Atividade 4)

Esse é o momento de listar os usuários ideais (personas) do futuro produto, descrevendo seu perfil, comportamento e necessidades.

listando as personas

Jornada do usuário (Atividade 5)

Aqui todos devem buscar entender como o usuário vai se relacionar com o produto, desenhando sua jornada de forma colaborativa.

desenhando a jornada do usuário

Brainstorming de funcionalidades (Atividade 6)

A partir das personas, dos objetivos do negócio e da jornada do usuário, todos devem pensar em algumas ideias de possíveis funcionalidades para o produto.

passo a passo d ebrainstorming de funcionalidades

Revisão técnica de UX e de negócio (Atividade 7)

As funcionalidades geradas são avaliadas em esforço técnico, valor agregado para a experiência do usuário e valor gerado para o negócio. Além disso, a equipe qualifica as funcionalidades de acordo com o nível de confiança sobre elas (se sabemos o que deve ser feito e como deve ser feito de forma clara ou não).

revisão técnica de UX e negócio

Sequenciador (Atividade 8)

Após todas as etapas anteriores, as funcionalidades são alocadas em pequenos blocos, seguindo algumas regras de alocação, para que os blocos tenham mais ou menos o mesmo tamanho.

Feito isso, realizamos estimativas sobre a duração das coisas, chegando ao prazo médio dos blocos. Por fim, seu time decide quais blocos vão entrar no MVP e quais ficarão para os incrementos futuros.

alocando blocos de funcionalidades

Canvas MVP (Atividade 9)

Uma vez que você já construiu o sequenciador, agora é a hora de resumir em um Canvas o seu MVP. Essa visualização deve ser preenchida na seguinte ordem:

  1. Proposta do MVP;
  2. Personas segmentadas;
  3. Jornadas;
  4. Funcionalidades;
  5. Resultado esperado do MVP;
  6. Métricas para testar as hipóteses do MVP;
  7. Informações sobre custo/cronograma.

Showcase

Chegou o momento de apresentar para todos os interessados o resultado que a Lean Inception trouxe. Tanto aqui quanto no kick-off, é importantíssimo que todo mundo esteja presente.

Essa etapa conclui a Lean Inception, organizada ao longo de 5 dias:

  • Primeiro dia (segunda-feira)Kickoff + Atividade 1 + Atividade 2 + Atividade 3.
  • Segundo dia (terça-feira) – Atividade 4 + Atividade 5.
  • Terceiro dia (quarta-feira) – Atividade 6 + Atividade 7.
  • Quarto dia (quinta-feira) – Atividade 8 + Atividade 9.
  • Quinto dia (sexta-feira)Showcase.

É claro que, se fizer sentido para o seu contexto, você pode, com muito cuidado, trocar a ordem de algumas atividades e personalizar a alocação delas no tempo. Fique à vontade!

Pré-workshop de Lean Inception

Quando eu digo “pré-workshop” eu não quero falar sobre a preparação de minutos ou horas antes da sessão de Lean Inception começar, mas sim ao trabalho que serve como input para que a LI possa acontecer da melhor maneira.

Para ser mais claro, observe esta frase dita pelo Paulo Caroli em seu livro:

“A Lean Inception não substitui as sessões de ideação, as entrevistas com os usuários, a pesquisa de mercado, a revisão da arquitetura, a análise da concorrência ou o canvas de mapeamento de projetos e negócios”.

Apesar dos avisos do autor, boa parte das pessoas simplesmente ignora o trabalho a ser feito antes de uma Lean Inception, e isso provavelmente acontece por dois motivos:

  • As pessoas não leram esse trecho específico do livro ou não prestaram atenção nele, por ser bem breve e sem grande destaque;
  • As pessoas buscam a solução mais rápida e com o menor esforço para tudo na vida, então, apenas se preocupar em aplicar a Lean Inception é super confortável.

O segundo motivo é especialmente forte na área de Produto, na qual muitas pessoas chegam desesperadas por grandes oportunidades, buscando cada vez mais atalhos.

Porém, como o próprio autor diz, só fazer uma Lean Inception não resolve o problema, justamente porque ela tem como propósito alinhar o conhecimento das pessoas sobre o MVP. Então, se esse conhecimento não existe ou foi mal fundamentado, ela vai alinhar um monte de ignorância e achismos.

Isto é, antes de alinhar o MVP, faça o seu dever de casa de achar um bom público-alvo e um problema interessante para resolver.

Pós-workshop de Lean Inception

Assim como nós alinhamos no “pré-workshop“, quando eu digo “pós-workshop” eu não quero falar sobre as ações de minutos ou horas depois da sessão de Lean Inception terminar, mas sim sobre o que precisamos fazer com os resultados dela.

Existem, pelo menos, 5 pontos interessantes que precisam ser ressaltados nesse pós-LI:

  • Precisamos pegar o MVP e tornar ele palpável para quem vai executar. Fazemos isso por meio da escrita de stories;
  • Por mais que o resultado gerado na Lean Inception seja bacana, ele não é imutável. O seu produto é vivo, então, conforme o tempo passa, revisite e adapte tudo;
  • Estabeleça um fluxo de Dual-track Agile no seu produto, para que você nunca pare de descobrir coisas e mantenha o desenvolvimento alinhado com as descobertas;
  • Metrifique e otimize a gestão do fluxo de trabalho do seu time, para aumentar a velocidade de entrega e reduzir desperdícios;
  • O time-to-market é muito importante, mas cuidado para não acumular dívida técnica além do suportável pelo seu produto.

Bom, a lista é infinita, mas, acredito que esses tópicos são excelentes lembranças.

Conclusões

Saber sobre Lean Inception vai ser um diferencial interessante para o seu currículo e sua carreira como produteiro(a) ou agilista. Porém, possuir uma visão sistêmica sobre o assunto vai te levar a um patamar ainda mais alto. Por isso, recomendo fortemente guardar esse artigo com carinho, revisitá-lo algumas vezes e compartilhá-lo com quem pode se beneficiar dele.

Para fecharmos da melhor maneira possível, encerro com uma frase do livro que resume bem como a Lean Inception pode ser útil:

A Lean Inception propõe um processo colaborativo de descoberta e esclarecimento no qual as pessoas envolvidas trabalham juntas em uma sequência de atividades para compreender opções e elaborar o MVP“.

Enfim, agradeço sua atenção até aqui, e espero que esse artigo ajude o seu time ou alguém que você conhece a fazer um uso inteligente da famosa Lean Inception. Forte abraço e até a próxima!

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