Side projects mudaram minha forma de pensar negócios e produto
Marcell Almeida

Marcell Almeida

CEO – PM3

8 minutos de leitura

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 Tem se tornado cada vez mais comum as pessoas me perguntarem porque eu não estou focado full-time em um (ou nos dois) side projects – PM3 e Product Camp. A verdade é que existe uma série de motivos pelo qual eu não estou e não pretendo tocar nenhum deles full-time no curto ou médio prazo. Até falei um pouco sobre isso no recém lançado episódio de podcast do Product Backstage do Alexandre Spengler.

1. Contexto

Comecei a construir produtos como hobby antes da faculdade — na época eu nem chamava de produto… Já tive blog de memes, blog de opinião, blog de tecnologia, um site chamado “Aplicativo Do Dia”, Podcast e várias outras coisas que nem falo publicamente. Mas nada era muito sério e sempre rolava em paralelo com algumas outras coisas. 

1.1 A primeira startup 

Em meados de 2014 eu estava no Grana e o negócio só crescia — chegamos a bater +100k usuários únicos com uma retenção acima da média dos apps de finanças pessoais. Era somente eu e mais um sócio e parecia fazer muito sentido pedir demissão do Easy Táxi (onde eu trabalhava na época) para tocar a startup full-time. Afinal, se comigo part-time estava indo bem, imagina full-time, né? Ledo engano… Só piorou tudo.

Se dedicar full-time num projeto não é a receita do sucesso. Eu sei que isso pode parecer muito diferente do que a gente tá acostumado a ler nas histórias famosas. Mas a realidade, meu amigo, é bem diferente. Acho que várias pessoas podem passar ou estão passando pelos mesmos questionamentos — ”devo tocar full-time agora ou não?”. Por isso resolvi compartilhar um pouco da minha experiência e como eu enxergo as vantagens de estar sendo um “Empreendedor Híbrido”.


2. Empreendedores híbridos

A indústria criou aquela imagem sexy de um empreendedor trabalhando duro, dedicando 100% do seu tempo em seu novo empreendimento, ficando até as 4 da manhã trabalhando em sua mais recente inovação.

Mas isso é a realidade do empreendedorismo? Se você tem uma ideia de um novo negócio, é realmente melhor sair do seu trabalho estável que dá um salário regular? Ou o ideal é tomar um caminho mais seguro?

De 1994 a 2008, dois pesquisadores acompanharam um grupo de possíveis empreendedores para responder exatamente a essa pergunta: quando você inicia um negócio, você tem mais sucesso se você mantiver o seu emprego fixo ou se você se dedicar full-time ao novo negócio?

Eles analisaram mais de 5.000 pessoas nos EUA que se tornaram empreendedores durante 15 anos. Os participantes do estudo tinham 20, 30, 40 e 50 anos e atuavam em diferentes indústrias. Houve uma resposta bastante clara: 

aqueles que mantiveram seus empregos fixos possuem 33% menos probabilidade de falhar no seu novo negócio.

Hoje, ao ver a pesquisa e conectar os pontos das minhas experiências passadas, vejo que faz total sentido — afinal, abandonar seu emprego fixo para abrir uma empresa é como propor uma pessoa em casamento no primeiro encontro.

  • 1905. Albert Einstein trabalhava seis dias por semana em tempo integral em um escritório examinando pedidos de patentes. Ele dedicou todas as horas que sobravam para estudar e fazer experimentos físicos. Um dia, a Teoria da Relatividade foi concebida.
  • 1964. Phil Knight passou cinco anos vendendo calçados esportivos antes de deixar seu emprego em tempo integral na área de contabilidade. A empresa que ele começou? Nike. (Por sinal recomendo demais ler o livro Shoe Dog)
  • 1976. A Apple nasceu em uma garagem, não em um escritório. Steve Jobs e Steve Wozniak, só conseguiam trabalhar no seu “projeto maluco sobre computadores pessoais” depois do expediente padrão dos seus empregos fixos..
  • 1985.O autor de best-sellers, John Grisham, era advogado e acordava todos os dias às 5 da manhã para escrever histórias antes de ir para o seu emprego. Ele fez isso durante três anos, recebeu múltiplas rejeições de editoras, e depois foi finalmente aceito e publicou seu primeiro livro.
  • 1993. Craig Newmark, empregado em uma empresa de investimentos, iniciou uma lista de e-mail no seu tempo livre para que ele e seus amigos pudessem se atualizar sobre diferentes eventos na cidade. A lista cresceu tanto que não havia espaço suficiente nas caixas de entrada das pessoas: era hora de um site. Nasceu o Craigslist.com.
  • 2009. Markus Persson era um programador que gostava de desenvolver games como side project. Ele colocou o Minecraft, ainda inacabado, em um portal de jogos. Markus manteve seu emprego durante um ano antes de se comprometer 100% do tempo com o Minecraft em tempo integral — que posteriormente vendeu para a Microsoft por US$ 2,5 bilhões.

Isso sem mencionar tantas outras empresas de sucesso que surgiram como side projects (Facebook, Product Hunt, Trello, AppSumo etc…).

2. Barbell Strategy — Os aprendizados ao mitigar riscos

O Nassim Nicholas Taleb — autor do livro Antifrágil – fala que fazer all-in em alguma coisa — qualquer coisa, seja investimentos ou em projetos — torna você frágil. Com essa premissa ele incentiva os leitores a adotarem o que ele chama de “Barbell Strategy”. Barbell é um tipo de equipamento usado para levantamento de peso, basicamente é uma barra longa com dois pesos em extremidades opostas que criam estabilidade. De acordo com Taleb essa estratégia é uma forma de se proteger em algumas áreas e correr riscos em outras. Ele diz que ela oferece dois grandes benefícios:

  • É mais provável que você corra riscos maiores que podem dar um retorno enorme quando você sabe que o fracasso não vai prejudicar completamente sua vida.
  • Mesmo se você falhar, você ainda estará bem e poderá arriscar novamente quando quiser.

Depois de empreender full-time no Grana e fracassar, decidi que só iria fazer isso novamente — e se fizer — diante de uma situação completamente diferente, na qual eu não precisaria viver comendo miojo e me privar de várias outras coisas.

Porém, mesmo com o objetivo de não empreender tão cedo, é difícil ver algumas oportunidades passarem e não fazer nada. A partir daí surgiu a PM3 e o Product Camp, ambos como side project. Eu amo trabalhar com produto e impactar positivamente a empresa e milhares de pessoas através da tecnologia. Fora o benefício de ser uma profissão que paga muito bem, eu ainda tenho a chance de trabalhar com pessoas que admiro (geralmente, rs). Então por que não usar a barbell strategy e ainda aproveitar das vantagens de um bom emprego fixo?

2.1 Assertividade

Como empreendedor essa estratégia me permite ser mais seletivo no que eu quero atacar em cada side project. E. sinceramente, eu acho que isso me faz um empreendedor melhor. Eu sinto que acabo ficando mais relaxado (mas não tanto) e dou uma arriscada que em outra situação eu talvez não fizesse, porque eu sei que o fracasso é, na verdade, algo que eu posso conviver. Tem vezes que fico com vontade de me dedicar somente aos meus negócios? Com certeza! Mas eu acredito que side projects crescem em pequenas janelas de tempo que dificilmente afetam o seu dia, mas que acabam se acumulando ao longo de semanas e meses. 

Por exemplo, a PM3 está cada vez maior (mês após mês) e eu, nem o Dan e Bruno (os outros fundadores da PM3), precisaram deixar o seu emprego para a empresa crescer e lançarmos coisas novas como a Biblioteca. Outro exemplo é o Product Camp, pois mesmo sendo um side project, este ano conseguimos lançar mais um evento e outros 4 workshops, além de escalar o evento para keynotes internacionais. Basta você se organizar, se dedicar e fazer acontecer. Todos nós sacrificamos algumas horas da vida pessoal ao longo da semana para resolver todas as pendências — seja para responder emails ou lançar coisas novas. E dá pra fazer isso, por exemplo, de manhã cedo antes de ir para o ‘trabalho de verdade’.

Side projects crescem em pequenas janelas de tempo que dificilmente afetam o seu dia, mas que acabam se acumulando ao longo de semanas e meses.

Todo mundo tem janelas de tempo livre no seu dia. O ‘macete’ é proteger essas janelas de tempo. Proteja de uma maneira como protege outras coisas que você prioriza. Se for necessário colocar um aviso “não perturbe” na porta do seu quarto para os seus familiares não interromperem você, faça.

Ao mesmo tempo, não coloque muita pressão em relação a prazos. Side project precisa ser divertido e não uma obrigação.

2.2 Side project não precisa de investidores e pode ser livre de pressão

Se você tem uma empresa bootstrapped e rentável como a PM3, você tem a liberdade de experimentar como e na velocidade que quiser — sem investidores pressionando e com a possibilidade de correr os riscos que quiser. 

Essa é outra grande vantagem de um side project, você não precisa ser altamente focado em ter ROI e resultados financeiros para agradar o board. Porque quando se trata de side projects, algumas coisas não acontecem como foram planejadas (tanto para o bem quanto para o mal). Então é algo que você pode fazer sem expectativas e ver o que acontece.

Não tenha medo de investir tempo e esforço em algo que realmente mexe com você. Muita gente comenta comigo “nossa, mas você não cansa de fazer tanta coisa assim?” A verdade é que um bom side project não distrai ou cansa você, na verdade ele energiza você

Isso pode vir com um certo “preço” a ser pago — algumas saídas a menos nas noitadas, menos tempo para “dates” e coisas do tipo. Mas sendo algo que me energiza e me deixa empolgado, qual o mal na verdade? É tudo uma questão de saber balancear. Ser capaz de fazer isso também tem muito a ver com o momento de vida de cada pessoa — conseguir fazer isso bem tendo filhos e sendo casado é muito mais complexo (eu imagino, já que não é meu caso) pois uma família demanda tempo e dedicação bem maior que o um side project.

E se der errado?
Na pior das hipóteses, você sacia sua curiosidade. Numa hipótese melhor, você se torna um profissional melhor e mais preparado para encarar um desafio em empresas antigas ou modernas. Numa hipótese perfeita, você encontra o trabalho da sua vida.