Diversidade no mercado de produtos digitais - Cursos PM3
Mari Cavalcante

Mari Cavalcante

9 minutos de leitura

O painel sobre diversidade e inclusão nas empresas de tecnologia, especialmente na área de Produtos, reuniu Jacqueline Yumi Asano, Presidente da Mulheres de Produto e Product Lead do Nubank, Amanda Araujo, Especialista de Produto na Globo, e Raphael Farinazzo, Sr. Staff Product Manager da Unico IDtech.

Quando as empresas falam em diversidade precisam olhar para vários aspectos: gênero, raça, idade, social, neurodiversidade, acessibilidade, para que dessa forma possam promover processos seletivos mais inclusivos, entregar melhores produtos. Esse olhar para a diversidade deve estar voltado não apenas para a empresa, os times, mas também para os usuários.

“Diversidade vai desde o jeito de segmentar melhor e construir soluções cada vez mais personalizadas”, disse Jacqueline. E isso envolve olhar dentro da diversidade em seus diferentes recortes, como acolher mães solos, chefes e mães que são responsáveis pela renda da família. Essas coisas moldam muito os produtos”, afirma Jacqueline.

E completa: “Ter pessoas diversas que passaram por certas situações são importantes para construirmos produtos. Você pode ser a pessoa de produto mais empática do mundo, mas não vai ter a mesma noção de pessoa que passou por aquela situação. A contratação dessas pessoas, e tê-las em posição de lideranças, conseguindo influenciar o direcionamento dos produtos, é onde a gente vai conseguir realmente fazer a inovação. Porque a inovação de fazer coisas legais e maravilhosas, e brilhantes, não adianta nada se você não resolve problemas básicos da nossa população”.

Raphael pontua que o discovery não vai conseguir entender as necessidades das pessoas pertencentes aos grupos minorados, e não segmenta as pessoas entrevistadas.

“E ainda que a gente fizesse[segmentar], o grande ponto do discovery é trazer para dentro e casa o conhecimento que a gente não tem. A gente  já não deveria  ter dentro de casa esse conhecimento nas pessoas que estão fazendo produto?”, questiona.

Amanda é fundadora do Produto Preto, uma comunidade que conecta profissionais pretas e pretos de Produtos e fomenta o acesso deles ao mercado de trabalho. Ela levanta um ponto importante sobre o impacto da inteligência artificial na diversidade e de como pode perpetuar o racismo.

“A inteligência artificial muitas vezes é racista, não reconhece pessoas pretas ou,  ao contrário, quando reconhece é sempre naquele lugar de crime ou outras coisas. A diversidade é importante pela empatia, mas ela impacta no negócio. Se você produz uma solução que é racista, você vai ter que refazer. Então, você vai perder dinheiro naquilo ali também. Por isso é importante ter um QA que vai testar aquilo e vai ver que realmente está funcionando. Ou um designer que vai pontuar o que precisa ser considerado na jornada se vai atender a necessidade de grande parte dos usuários do Brasil, de mulheres, de pessoas pretas. No final das contas impacta nos negócios e nas dores dos usuários”, afirma Amanda.

Barreiras invisíveis

Escuta, autonomia para a tomada de decisões e estudo sobre diversidade são fundamentais para enfrentar as barreiras invisíveis.

Raphael é autista e contou sobre a sua experiência em uma empresa que gostava de trabalhar, onde as pessoas eram “excelentes”, mas se viu desconfortável quando fizeram o “Dia do Abraço”, que exige contato físico.

Apesar das melhores intenções da atividade, foi extremamente desconfortável para o Raphael. “Eu não odeio vocês, eu adoro vocês. Vocês são ótimos, só não fiquem encostando em mim sem precisar. Mesmo com a melhor das intenções, se você não escuta a pessoa [e não se questiona] como eu posso demonstrar que eu cuido de você? Escutando.”, conta Raphael, com muito bom humor lembrando do momento.

As experiências pessoais e profissionais levaram Jacqueline a fundar junto com outras mulheres a comunidade Mulheres de Produto que promove o desenvolvimento e capacitação profissional para mulheres na tecnologia. Jacqueline sentia falta de ter um ambiente seguro onde pudesse encontrar outras mulheres que passaram pelos mesmos problemas e microagressões que sofria. Ela encontrou isso na comunidade.

“Isso é muito importante. Parece simples, mas faz toda a diferença ter uma pessoa que vai te ouvir, vai se relacionar com a situação de assédio que você passou, de um cara que roubou as suas ideias. Não conseguimos mover o mundo isolados. O poder das comunidades, eu fico muito feliz de ter isso, é uma maneira das pessoas e indivíduos se potencializarem”, conta.

Amanda traz um dado importante para o bate papo. De acordo com o levantamento do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), de 2022, 56% da população brasileira se reconhece como pretas e pardas, mas isso não se reflete na área de Produto. 

“Quantas pessoas pretas têm nesse evento? Quantas pessoas pretas têm na equipe de vocês? Quantas pessoas pretas têm na liderança?”, questiona Amanda.

Ela reforça a falta de representatividades nos trazendo o perfil do profissional digital , segundo pesquisa da MindMiners, que é de um homem branco, da região sudeste, de 26 a 30 anos. O levantamento ainda aponta que 2 a cada 10 profissionais são negros na área de dados e desenvolvimento de software. A área de product management é o menor índice de pessoas pretas: 16% contra 79% de pessoas brancas. Isso também se reflete no salário.

Amanda cita os dados da pesquisa da Potências Negras Tec que mostra 59% das pessoas entrevistadas falam que têm interesse em trabalhar em tecnologia, mas 29% disseram que não enxergam oportunidade, 21% não domina o inglês e 15% acham o investimento elevado 

“Como a gente pensa em diminuir essas barreiras, principalmente enquanto liderança? Quando a gente fala de vaga afirmativa. Isso exige esforço do RH [Recursos Humanos], investimento elevado, revisão dos requisitos das vagas. Como você investe no desenvolvimento dessas pessoas, como escolas como a PM3 e as empresas podem fazer parcerias para investir no desenvolvimento dessas pessoas?”, ressalta. 

Raphael explica que na neurodivergência alguns dados são difíceis de obter, as informações atuais são do órgão CDC (Centros de Controle e Prevenção de Doenças). “A gente tem uma estimativa de autismo em torno de 3% da população, que é o diagnóstico hoje das crianças, mas entre adultos beira zero. Cadê esses adultos? Não estão diagnosticados, não sabem quem são. Estão passando o tempo achando que são pessoas horríveis, sendo vistos como grosseiros, arrogantes, babacas”, fala. 

Para ele, é uma dor recente incluir pessoas neurotípicas dentro das questões de diversidade. “Respeitar é o mínimo que você tem que fazer, mas tem muito mais coisa além disso”, afirma Raphael.

“Se você identificar que tem uma pessoa neurodivergente no seu time, principalmente autista que é mais difícil de perceber sutilezas sociais, procure traduzir algumas coisas para essa pessoa, traduzir algumas questões sociais que estão acontecendo dentro da empresa. Você não estará fazendo fofoca. Você estará literalmente explicando para ela uma coisa que ela não vai entender sozinha, ela vai render muito mais por conta disso”, sugere. 

O papel das lideranças

As lideranças têm um papel fundamental de levar a diversidade para dentro das empresas e para os times, e abrir uma discussão sobre o tema para diminuir as diferenças.

Depois de atuar em uma empresa com lideranças majoritariamente masculinas, Jacqueline hoje tem a oportunidade de ter líderes mulheres na diretoria e no time de Produto, que tem cerca de 15 mulheres

“Gente, é muito bom. Temos pessoas pretas, mulheres. Temos muitas discussões em ambientes seguros, é outra vibe. É muito bom ser liderada por mulheres. Eu não preciso me preocupar com coisas básicas, e só preciso trabalhar”, comemora.

“Se você olha para esse quadro de liderança e não vê nenhuma mulher, nenhuma pessoa preta, nenhuma pessoa neurodivergente, você se se questiona: como vou chegar lá? Não tem ninguém lá nunca! Quando você tem lideranças conscientes,  ela vai ser a primeira a bater no peito e dizer que isso é importante sim, a gente vai fazer isso […] e trazer soluções inovadoras”, diz Amanda. Ela ainda afirma que não quer sós ser referência quando o tema é diversidade, e quer falar sobre produto, resultados.

“A minha liderança, apesar de não ser uma pessoas neurodivergente, tem um cuidado, quer aprender mais, entender. Para quem é líder não dá tempo de entender tudo sobre a questão racial, de gênero e neurodivergência. Mas às vezes é tão simples quanto perguntar para a pessoa como ela quer ser tratada, como quer lidar com essa questão, se tem algo incomodando. Abrir um espaço de feedback”, afirma Raphael. 

Para quem está se perguntando como contribuir para criar um ambiente mais diverso, colaborar com o tema, os convidados sugerem que você se prontifique a fazer algo. Seja falar com a liderança, questionar as práticas de ESG (Governança ambiental, social e corporativa, em português), ser a pessoa que terá empatia com os colegas.