5 erros comuns ao criar user stories (e como evitar) - Cursos PM3
Willian Stigliani

Willian Stigliani

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10 Perguntas e respostas em entrevistas para Analista de Dados

As histórias de usuários (user stories) são grandes potencializadores para a construção de produtos excepcionais, realmente atendem às necessidades da persona. No entanto, como toda ferramenta, um uso inadequado pode transformá-las em verdadeiros obstáculos, comprometendo a eficácia e a eficiência das equipes de desenvolvimento.

Este artigo propõe uma reflexão sobre erros e “antipadrões” comuns na elaboração de user stories, para que você e seu time aprendam a identificá-los e corrigí-los antes que causem algum prejuízo.

Erro #1: Desfoque da experiência humana

Um aspecto central das histórias de usuários é o foco na experiência humana. O principal objetivo dessas narrativas é captar os desejos e necessidades de pessoas reais, que vão interagir cotidianamente com o produto ou serviço em desenvolvimento.

O primeiro erro é a tendência de generalizar o usuário ou substituí-lo por “o sistema” ou stakeholders externos, criando histórias de “não-usuários”. Os principais problemas desta prática estão relacionados à perda de contexto e falta de empatia com o usuário. 

Exemplo genérico:

“Como um usuário, quero poder filtrar os produtos por categoria, para poder encontrar com mais facilidade os itens que procuro.”

Este pedido, embora válido, carece de profundidade e conexão emocional.

Exemplo específico:

“Como uma mãe ocupada com filhos pequenos, quero poder filtrar produtos por categoria e necessidades dietéticas, para poder encontrar de forma rápida e fácil opções saudáveis e adequadas para os meus filhos.”

Este enquadramento não apenas destaca uma necessidade específica, mas também invoca uma compreensão mais profunda das circunstâncias e desafios enfrentados pelo usuário, fomentando a empatia e direcionando o desenvolvimento de soluções mais eficazes e significativas.

Perda de contexto

Ao escrever histórias para um usuário genérico, negligenciamos as necessidades e motivações particulares dos diferentes grupos de usuários. 

Isso pode resultar na criação de funcionalidades que são pouco relevantes ou até mesmo inadequadas para certos usuários, diminuindo a eficácia do produto e comprometendo a experiência do usuário

A especificidade é crucial para desvendar e atender às exigências únicas de cada segmento de usuário, enriquecendo o produto com recursos e funcionalidades que realmente agregam valor.

Falta de empatia

Narrativas que não especificam o usuário tendem a se distanciar da experiência humana, dificultando a geração de empatia por suas reais necessidades e desejos. 

Empatia não é apenas uma ferramenta de design; é um componente vital para a criação de produtos que ressoam no nível pessoal com os usuários, promovendo soluções que têm um impacto significativo em suas vidas.

Ao evitar conscientemente a história de não usuário e focar na abordagem centrada no ser humano, podemos criar histórias de usuário que sejam claras, significativas e impulsionam o desenvolvimento de produtos bem-sucedidos. 

Lembre-se de que as histórias de usuários não tratam apenas de funcionalidade; tratam de empatia, compreensão e criação de soluções que realmente importam para as pessoas que as utilizarão.

Erro #2: Confundir a finalidade das user stories

As histórias de usuário, são uma ferramenta fundamental no desenvolvimento ágil de produtos, servindo como pontes entre as necessidades reais dos usuários e as soluções técnicas propostas pelas equipes de desenvolvimento. 

No entanto, um mal-entendido comum sobre sua aplicação pode levar ao que chamamos de “Síndrome de Forrest Gump”.

Você se lembra de como Forrest Gump, o personagem icônico do cinema, tinha um talento especial para transformar cada momento de sua vida em uma história cativante? Ele podia contar histórias de sua infância, seu tempo no exército, suas proezas no pingue-pongue e até mesmo seu império de camarão com igual entusiasmo e detalhes.

A síndrome de Forrest Gump geralmente surge de uma má compreensão da ideia de histórias de usuários e de sua finalidade

Embora as histórias sejam ferramentas valiosas para capturar as necessidades e requisitos dos usuários, existem outras estratégias que podem funcionar melhor para determinados casos.

Diferenciando necessidades dos usuários de requisitos técnicos

Observe o exemplo a seguir: 

“Como um comprador, desejo acessar o site de forma segura, para que os meus dados pessoais estejam protegidos e possa fazer compras com confiança.”

À primeira vista, esta história parece legítima, refletindo uma preocupação válida de muitos usuários. Contudo, ela atribui ao usuário uma preocupação que, na verdade, é uma responsabilidade fundamental do desenvolvedor – assegurar a segurança do site. 

A pergunta a fazer é “qual o propósito dessa história?”. Se o de explorar possíveis soluções que incrementam a segurança do usuário, então este é um bom formato. 

No entanto, se existe uma ação definida, um problema cuja solução já foi identificada e a consequente solução, então é melhor ser mais objetivo, evitando possíveis desvios que possam ser causados por uma interpretação errada.

Este exemplo demonstra um desvio comum: confundir requisitos e pressupostos técnicos com as necessidades diretas dos usuários.

A distinção essencial que precisa ser feita é entre o que constitui uma necessidade autêntica do usuário e o que representa um requisito técnico ou uma premissa de projeto. 

No caso da segurança do site, a preocupação real do usuário não é com os mecanismos de segurança per se, mas com a capacidade de realizar compras de forma confiante e sem riscos.

Uma abordagem mais alinhada com a finalidade das user stories focada em capturar necessidades específicas do usuário, deixando os requisitos técnicos para serem detalhados em tarefas separadas:

“Atualizar o software do servidor para corrigir as vulnerabilidades de segurança encontradas.”

Isso coloca em primeiro plano a atividade que precisa ser feita — solucionar um problema — evitando desvios que possam surgir devido à interpretação.

Erro #3: Histórias sem fim

As “histórias sem fim” são os titãs do mundo das user stories, e tal como nos mitos, elas surgem em contextos onde falta definição e objetividade, dando espaço para múltiplas interpretações e ambiguidades.

Esse tipo de narrativa dificulta o desenvolvimento eficiente de funcionalidades para o produto, que provavelmente proporcionarão pouco valor para os usuários.

Observe a história abaixo. O que há de errado com ela?

“Como influenciador, gostaria de divulgar a minha mensagem, para que ela alcance o público certo.”

Isoladamente, ela carece de clareza sobre a mensagem do influenciador, público-alvo, resultado desejado e soluções potenciais. Toda essa ambiguidade pode levar a explorações e iterações infinitas, sem um ponto final claro. 

Divulgar a mensagem e alcançar o público certo são objetivos subjetivos e difíceis de mensurar, dificultando a avaliação do progresso e sucesso, e potencialmente fomentando um sentimento de “busca sem fim” no usuário

Existe valor nas “histórias sem fim”?

Depende. Embora “histórias sem fim” possam ser prejudiciais ao processo de desenvolvimento, não devemos desconsiderar a sua importância no processo de criação do produto. 

Nos estágios iniciais, elas funcionam como épicos dentro do backlog, servindo como lembretes dos grandes objetivos e visões de longo prazo que ainda não estão prontos para serem comprometidos ao desenvolvimento imediato.

No entanto, é essencial que, com o tempo, essas narrativas sejam refinadas e desdobradas em diversas histórias de usuários mais detalhadas e acionáveis, preparando o terreno para a exploração efetiva pelas equipes de desenvolvimento.

Observe o mesmo exemplo, refinado:

“Como influenciador de treinos, quero integrar meus vídeos de treino diário em clipes curtos e compartilháveis, para que possa enviá-los para meus grupos de WhatsApp.”

Este refinamento transforma uma ideia abstrata em um objetivo tangível, delineando um caminho claro a seguir e facilitando a medição de sucesso.

Em resumo, é uma questão de momento: começamos com ideias amplas, explorando e moldando a forma de maneira lúdica. Contudo, antes de iniciar a etapa de desenvolvimento, é necessário um momento de reflexão e definição da forma final, direcionando o esforço em torno de algo tangível.

Erro #4: Trabalhar de trás para frente

Vamos construir uma ponte. Iniciamos o mais rápido o possível, despejando toneladas de concreto e moldando aço, tudo antes de saber o tráfego esperado, ou mesmo aonde ela pode levar. 

O resultado? Uma enorme pilha de esforços desperdiçados, desconectados de qualquer necessidade real.

Este cenário, marcado por esforços precipitados e descoordenados, exemplifica perfeitamente o antipadrão de desenvolvimento conhecido como “planejamento invertido”. 

Nele, mergulhamos de cabeça nos detalhes de implementação — escolhendo materiais, técnicas e ferramentas — antes mesmo de clarear o propósito ou as necessidades fundamentais que o projeto visa atender.

Precipitação no detalhamento técnico

Essa é a essência deste antipadrão. Ficar atolado em detalhes do “como” antes de respirar para entender os “por quês”. O efeito prático é ter muitos detalhes, muito cedo, e nos colocarmos super atolados em jargões técnicos antes de entendermos as necessidades do usuário.

“Como um profissional ocupado, quero que o aplicativo de e-mail utilize a análise de sentimento baseada em IA para priorizar automaticamente minha caixa de entrada com base no tom emocional de cada mensagem, ordenando  primeiro questões urgentes ou sensíveis, para que possa gerenciar minha carga de trabalho sem esforço.”

Note que, embora a necessidade do usuário esteja presente e seja genuína, o foco é direcionado à solução. No geral, a história descreve o que deve ser desenvolvido

Essa prática leva à construção de funcionalidades potencialmente sem objetivo, que não resolvem nenhum problema do usuário. Fomenta, também, a “superengenharia” (overengineering), ampliando o desafio para o desenvolvimento técnico da solução sem agregar valor adicional ao usuário. 

Reorientando o foco na necessidade do usuário

Uma abordagem mais eficaz consiste em redefinir a história de usuário para enfatizar o problema central, sem se prender a uma solução tecnológica específica desde o início:

“Como um profissional ocupado com tempo limitado para processar e-mails, quero priorizar facilmente mensagens importantes, para poder resolver rapidamente problemas urgentes e manter uma comunicação eficiente.”

Esta história reformulada concentra-se na necessidade principal do usuário sem depender da IA como única solução. 

Ela abre a porta para explorar várias abordagens, como regras e filtros definidos pelo usuário, dicas visuais e opções de classificação, ou configurações de notificação personalizáveis, todas significativamente mais simples.

Erro #5: Escrever histórias que não geram conversa

O desafio mais significativo e comum no processo de criação de histórias de usuário é a tendência a escrevê-las de maneira que não incentivem o diálogo e a colaboração. 

Histórias de usuário, em sua essência, são mais do que simples anotações ou documentos; elas são uma ponte para o entendimento mútuo entre todas as partes envolvidas no desenvolvimento de um produto.

Para alcançar isso, é vital que as histórias sejam formuladas de maneira clara, concisa e centrada no usuário, mas, acima de tudo, que sejam projetadas para abrir espaço para perguntas, explorações e conversas.

Histórias como ferramentas de comunicação, não de documentação

Jeff Patton, em seu livro “User Story Mapping”, compara boas histórias de usuário a fotos de viagem, dizendo que elas “não vão traduzir toda a experiência de quem viveu o momento, mas são ótimos lembretes para uma conversa”. 

Essa analogia destaca a importância de ver histórias de usuário como catalisadores para o diálogo, não apenas como registros estáticos de requisitos.

Ao escrever histórias de usuário, é crucial evitar tratá-las como documentos finais ou manuais técnicos. Sua força reside na capacidade de inspirar discussões, levantar questões e explorar possibilidades. 

Histórias que não geram conversa falham em aproveitar todo o potencial da abordagem ágil, limitando a capacidade de inovação e adaptação da equipe.

Considerações finais

Ao conscientemente esquivar-se desses erros comuns e antipadrões, você assegura que suas histórias de usuário permaneçam como pilares fundamentais na jornada de desenvolvimento do seu produto. 

Fazer isso amplifica sua capacidade de criar soluções que genuinamente ecoam com as necessidades e aspirações dos seus usuários. 

Adotando essa abordagem, você transforma suas histórias de usuário em poderosos aliados no processo de criação do produto, garantindo que cada decisão de desenvolvimento esteja enraizada em um entendimento profundo e empático das experiências do usuário. 

Esta é a chave não só para evitar os perigos potenciais inerentes ao desenvolvimento de produto, mas também para assegurar que seu produto final seja mais do que apenas uma solução técnica — seja uma resposta significativa às histórias humanas que ele se propõe a atender.

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