Como levantar informações no processo de Discovery
Eliza Abreu

Eliza Abreu

11 minutos de leitura

10 Perguntas e respostas em entrevistas para Analista de Dados

Discovery é o processo de levantar informações, descobrir oportunidades e propor possíveis soluções valiosas e úteis para os usuários, ao mesmo tempo que viáveis e factíveis para a empresa. O objetivo é aprender rápido, por meio de experimentação, e então validar ou invalidar hipóteses, de forma a descobrir o que é valor para os usuários dado um determinado problema.

Não existe receita de bolo sobre como levantar informações neste processo. Porém, existem diferentes maneiras, metodologias e técnicas de pesquisa para você aplicar no seu contexto

Na empresa que trabalho, o time de Produto recebeu o desafio de revisar um dos produtos do portfólio com o objetivo de melhorar seu uso e possibilitar o aumento do ticket médio a partir do lançamento de novas funcionalidades. O produto contempla 2 tipos de usuários e sua usabilidade estava dificultando o uso de ambos os perfis, impactando no valor percebido do nosso produto. 

Para isso, o time de produto da Smarket seguiu três passos para realizar este Discovery: 

  1. Entendimento do problema
  2. Levantamento de dados
  3. Síntese dos dados

A seguir, vou explicar melhor cada uma das etapas e um pouco de como foi esse nosso processo.

Definindo o seu problema

Albert Einstein dizia que “se tivesse uma hora para resolver um problema, passaria 55 minutos pensando sobre o problema e 5 minutos pensando sobre a solução”. 

E você vai entender a importância de entender o problema a partir da seguinte situação, que aconteceu em uma empresa de transportes e é retratado no livro “gerenciamento pelas diretrizes” de Falconi:

Durante uma reunião de uma empresa de transportes, houve o seguinte diálogo:

Gerente: Estamos com problema de falta de caminhão

Diretor: O seu objetivo é ter muitos caminhões?

Gerente: Não, o objetivo do meu trabalho é transportar cargas.

Diretor: Então, qual é a sua meta?

Gerente: Transportar 120.000 toneladas por mês. Essa é a demanda do mercado.

Diretor: Quanto você está conseguindo transportar?

Gerente: 100.000 toneladas por mês.

Diretor: Então qual é o seu problema?

Gerente: Meu problema é: incapacidade de transporte da demanda de carga.

Diretor: Então vá e resolve o seu problema

O gerente levantou informações para conhecer melhor o problema e descobriu que os caminhões paravam muito na oficina e na estrada. Na oficina, às vezes formavam filas para atendimento e faltavam peças. Descobriram que não havia manutenção preventiva programada dos caminhões, não havia procedimento de socorro aos caminhões na estrada, e fazia tempo que não se dimensionava o estoque de peças. Com isso, definiram três soluções:

  • Estabelecer uma programação de manutenção (para evitar filas);
  • Redimensionar o estoque de peças (para evitar a falta de peças);
  • Estabelecer uma programação de socorro (para evitar caminhão parado na estrada durante muito tempo).

Após a implementação das soluções, a meta de transportar 120.000 toneladas de cargas por mês foi atingida e foi possível reduzir a frota de caminhões. 

Esse exemplo mostra que a definição correta de um problema pode alterar completamente o processo de tomada de decisões. 

Para iniciar o Discovery, tenha clareza do problema que você está tentando resolver e o contexto do mesmo. 

Uma ferramenta simples que pode ajudar você na descoberta do problema é a aplicação dos 5 porquês. Ela consiste em perguntar 5 vezes o porquê de um problema relatado. Nem sempre será necessário realizar a pergunta de fato as 5 vezes, em alguns casos podemos encontrar a causa raiz no terceiro porquê. 

Para iniciar o Discovery, em um Miro respondemos a pergunta: por que estamos fazendo o discovery desse produto?

"por que?" escrito acima de imagem com post-its

Com o levantamento, foi possível sintetizar o problema e o motivo de estarmos fazendo o discovery do produto. 

Levantando dados

Com o problema desenhado, definimos 5 etapas de levantamento de dados que serviram de base para a ideação da solução. 

1. Mapa da história do usuário
Neste artigo, expliquei na etapa de “entendimento dos produtos”, o processo feito para mapear as histórias de usuários dos nossos produtos. Com o mapa desenhado, fizemos a análise de quais os principais pontos de melhoria do produto. 

print de quadro com post-its

Uma das principais análises foi que o fluxo era trabalhoso e permitia o usuário cometer erros por problemas de usabilidade. 

2. Concorrentes

Fizemos o levantamento dos dois principais concorrentes e utilizamos a ferramenta gráfica de curva de valor criada pelos autores W. Chan Kim e Renee Mauborgne no livro A Estratégia do Oceano Azul (sainda mais sobre essa estratégia aqui). Esta ferramenta possibilita a análise comparativa dos valores de um negócio de maneira simples e objetiva. 

No Eixo X, preenchemos os atributos de valor para fazer a comparação com os concorrentes e no Eixo Y, criamos uma escala de pontuação. Com isso, foi possível criar um gráfico comparativo para análise posterior. 

gráfico de linhas

Esta imagem ilustra o resultado final da análise dos critérios da nossa solução comparada com a dos outros concorrentes. Conseguimos entender no que estamos indo bem e o que podemos melhorar. Além disso, elaboramos um quadro de pontos fortes e pontos a melhorar de cada concorrente.

3. Dados de uso do produto

O time fez o levantamento de alguns dados para entender o uso do produto para tirar insights a partir dos próprios usuários. Foi feito um relatório com os principais gráficos e uma análise com insights

exemplo de relatório de dados

Uma das grandes surpresas foi descobrir que uma funcionalidade era mais utilizada que outra. E essa “surpresa” foi por não termos ainda uma cultura de dados de produto bem estabelecida e dashboards para nos apoiar diariamente nas decisões da área. 

4. Entrevistas

Realizamos entrevistas em profundidade que são realizadas para o entendimento sobre as percepções dos usuários (impressões,motivações, necessidades, aspirações) e não sobre a usabilidade de uma interface.

Para planejar a pesquisa, utilizamos o checklist da aula da Izabela Escanhoela do curso de Product Discovery:

  • Tenha claro o objetivo da pesquisa;
  • Crie um recorte para a sua pesquisa;
  • Estruture a logística;
  • Crie o seu roteiro (narrativa);
  • Faça uma entrevista piloto para revisão do roteiro e formato;
  • Realização das entrevistas.

Realizamos 8 entrevistas de profundidade com os clientes que utilizam o nosso produto e o foco foi entender além do uso do produto e sim entender o processo completo. 

Os usuários não querem o seu produto/funcionalidade ou o que ele faz. Eles querem ajuda para melhorar suas vidas. As pessoas têm “tarefas” que precisam ser realizadas! Por isso, a principal dica é estruturar roteiros que contemplem o entendimento de quais tarefas os usuários estão tentando realizar

Todas as entrevistas foram gravadas (não esqueça de pedir o consentimento do cliente) e transcrevemos as reuniões para não perder nenhuma informação relevante. 

Esta etapa permitiu entender todas as ferramentas complementares que os usuários utilizam para usarem melhor nossa solução e nos ajudou a entender grandes oportunidades que ainda não estão resolvidas no produto. 

5. Observação em contexto

Para finalizar o levantamento de dados, utilizamos a técnica de observação em contexto, que é uma estratégia utilizada quando decidimos de fato “olhar pelos olhos do usuário” e entender todo o ecossistema em volta, ao invés de apenas o momento específico em que está interagindo com a interface. Diferente da entrevista, é uma abordagem comportamental, na qual conseguimos de fato ver como/o que as pessoas fazem, ao invés de ouvirmos os relatos.

O uso do nosso produto se dava no primeiro horário de abertura de um supermercado para os colaboradores, por volta das 5h30 da manhã. Acompanhamos todo o processo feito pelo usuário do nosso produto.  

Umas das coisas mais interessantes foi descobrir as “gambiarras” feitas pelos usuários para resolver problemas que não tínhamos mapeado. Estar no dia a dia do cliente nos trouxe insights relevantes e conseguimos entender quais eram os pontos de dores na jornada deles. Nesse processo, fomos “sombras” dos nossos usuários. 

Sintetizando os dados

Em cada etapa do levantamento dos dados, o time fez um relatório sintetizando todas as informações e os principais insights

Já para as entrevistas, reunimos em uma planilha os principais achados dividindo a análise por critério e por cliente. Utilizamos as entrevistas transcritas para fazer esta análise. 

exemplo de planilha para organização de análise de entrevistas com usuários

Após a análise das entrevistas, compilamos os principais insights em um quadro que trazia qual era a funcionalidade, análise das principais descobertas, trechos das entrevistas que justificaram a análise e oportunidades para o produto. Este quadro foi feito para cada funcionalidade analisada.

modelo de quadro para síntese de insights de entrevistas com usuários

Com as informações organizadas, foi possível desenhar as principais dores dos usuários que utilizam a nossa solução em cada etapa da jornada deles. 

Ao final de cada análise, conseguimos criar um quadro resumindo as principais dores identificadas e a explicação sobre elas.

modelo de quadro com dores de usuários identificadas em processo de Discovery

Conclusão

O processo de Discovery na empresa ainda não estava estruturado e este primeiro trabalho serviu para mostrar o valor e importância de estar constantemente ouvindo os clientes e, principalmente, suas dores. O time mudou o mindset de apenas escutar os pedidos de funcionalidades, para entender o que o cliente realmente está tentando resolver. 

Quantas vezes nos deparamos com pedidos de exportação de uma planilha? Isso é apenas um exemplo de que se não nos aprofundarmos no que o cliente está tentando resolver com a exportação, podemos perder uma grande oportunidade de criação de valor do nosso produto. 

E no processo de Discovery não esqueça que o objetivo é aprender rápido e reduzir riscos de construir algo que não gere valor para o negócio e os usuários. Talvez, na etapa de levantar informações o resultado do seu Discovery trará uma recomendação para seguir com a solução… Mas saiba que é muito mais barato do que esperarmos chegar na etapa de Delivery e perceber que estamos construindo a funcionalidade errada. 

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