Cultura de experimentação: práticas e características
Anselmo Filho

Anselmo Filho

Senior Product Manager

11 minutos de leitura

Panorama do Mercado de Produto

O princípio mais básico como profissionais de tecnologia é gerar crescimento para a empresa. Afinal, temos que pagar os nossos salários.

Partindo dessa premissa, para criarmos esse motor de crescimento, precisamos fazer inúmeras apostas em diferentes produtos, escrita de código e decisões de design que eventualmente vão contribuir para a alavancagem da empresa.

E aqui, sem você perceber, você já se deparou com um dos conceitos mais primordiais quando falamos de crescimento: experimentação.

O que é cultura de experimentação?

É um pouco de arte e um pouco de ciência. Você pode tomar decisões baseados em pura intuição ou somente em dados, mas cada um deles é um pouco diferente e possui os seus próprios problemas. Nem 8, nem 80. Mas o que acontece quando você pesa demais para um lado ou outro?

Quando contamos apenas com a intuição, tendemos a superestimar a probabilidade de funcionamento e impacto da proposta só porque a ideia veio de nós.

Tendemos a inflar a ideia com a justificativa que partiu da gente e ficamos no escuro ao tentar descobrir o motivo para sabermos se foi um sucesso ou não.

Por outro lado, se basear apenas em dados também pode ser prejudicial. Dados internos é uma fotografia do passado. E um desempenho passado não significa espetáculo do futuro.

Outro ponto é que tendemos a olhar os dados de maneira subjetiva e enviesada. Buscamos dados que confirmam a história que queremos contar. Além do fato que gostamos de resumir as informações através deles, perdendo as nuanças de contexto que possivelmente estão por trás disso tudo.

Então o que fazemos? Bom, precisamos de uma ferramenta que nos ajude a tomar decisão, evitando as armadilhas da pura intuição e a frieza e falta de inovação de utilizar apenas dados.

Esse problema se resolve com uma boa cultura de experimentação.

1. Temos que ver de qualé!

Eu já brinquei com o meu chapter de Produto que eu vou fazer uma camiseta com essa frase.

Uma das características mais fortes de uma cultura empresarial que aceita experimentação é a de que todo mundo é desconfiado. Não no sentido que não haja confiança entre as equipes. Mas, no sentido que temos consciência que somos sacos ambulantes de vieses e que só vamos ter certeza quando colocarmos algo na frente dos clientes.

— Anselmo, to com uma ideia para uma nova funcionalidade que vai aumentar o engajamento dos nossos clientes.

— Pode crer, vamos ver de qualé.

Ver de qualé”, significa: Vamos entender quais são os nossos vieses, as nossas suposições e testá-las da maneira mais rápida possível.

E já entramos no segundo conceito mais importante. Tudo é uma suposição.

2. Faça as suposições

Tudo o que você faz tem suposições embutidas. E muita das vezes nem está ligado à parte racional do seu cérebro. Normalmente tomamos decisões muito mais emocionais.

O que eu quero dizer com isso? Boas equipes de experimentação tem a habilidade de se afastar da sua proposta de solução, olhar para ela, identificar e expor as suposições por trás da recomendação. Elas conseguem reconhecer que suas propostas de solução são baseadas em suposições e hipóteses. E que nem todas elas podem estar corretas, mas estão dispostos a desafiar e questionar suas próprias crenças.

É sobre não estar preso a uma única solução, mas explorar alternativas e a se adaptar com base nos resultados dos experimentos.

E comunicação acima de tudo e sem medo. Compartilhar suas suposições com colegas de equipe, stakeholders e usuários, para obter feedback e percepções adicionais é essencial. Isso permite que a equipe se beneficie de uma visão mais ampla e diversificada, ajudando a identificar suposições incorretas ou inadequadas que podem ser corrigidas por meio de iterações adicionais.

Não existe experiência mais decepcionante do que um time de atendimento e sucesso do cliente ser pego de surpresa quando você sobe um teste. Dependendo da maturidade de cultura de experimentação da sua empresa, você vai acabar passando algumas horas em reuniões acalmando os ânimos e garantindo a confiabilidade da proposta. E ta tudo bem, faz parte do jogo.

Mas, beleza. Tenho um monte de suposição, o que eu faço com isso? Vamos para o terceiro princípio.

3. Construção enxuta

Qual é a menor quantidade de trabalho que podemos fazer para aprender sobre a coisa mais importante?

Essa daqui é a mais difícil. A simplicidade é o último nível de sofisticação. É muito fácil você se pegar construindo algo por meses a fio só porque algum stakeholder que ganha mais dinheiro que você falou como tem que ser, ou porque você quer entregar a melhor experiência do mundo.

Muito mais tranquilo cobrir todos os casos de usos e situações extremas e ficar reportando o status de desenvolvimento. Melhor mesmo é cobrir 100% dos riscos e lançar um produto completinho.

Só que aí você acabou de perder a verdadeira essência da experimentação: a alta velocidade em coletar feedback, respostas e resultados.

Eu estou falando da capacidade de identificar as características e suposições testáveis  mais críticas, ou arriscadas, para desenvolverem apenas o essencial para coletar conclusões das suposições.

Sim, é priorizar a velocidade de execução e colaboração sobre a qualidade

“Meu Deus! Vamos decepcionar os nossos usuários, vamos arriscar churn!”

“Nossos clientes não são ratos de laboratório para você ficar testando com eles.”

Calma.

Quando eu iniciei nesse rolê de cultura de experimentação, não era fácil dizer que eu ia fazer um experimento com o cliente. Existia um enorme medo do desconhecido e o fato de entregar uma solução “pela metade”.

Não está escrito o que eu já tive que implementar de fake doors e ouvir esse discurso. Mas, com o apoio da liderança, seguíamos em frente, quando bem feito, ninguém dava churn devido aos testes; e já aproveitava e virava case de comprovação de que nada acontecia de fato. Também não esqueça de garantir esse histórico com dados após os testes.

Case: monetização com múltiplos cartões físicos

Aqui eu vou trazer um exemplo de case que fiz dentro da Conta Simples para validar uma proposta de aumento da monetização, através do oferecimento de uma nova feature identificada em entrevista de uma vertical de clientes.

A Conta Simples é conhecida pelo oferecimento de múltiplos cartões virtuais que auxiliam times financeiros na gestão de despesas de áreas e seus gastos.

A hipótese era: Identificamos clientes que precisam de múltiplos cartões físicos (não virtuais) para gerir equipes offline e seus gastos.

Conforme em qualquer fintech que trabalha com cartão, ganhamos dinheiro na transação do cartão de crédito, garantimos a retenção da equipe do cliente e por consequência, geramos mais um motor de crescimento para a Conta Simples.

Simples, não é? Não, porque cartões virtuais são softwares, cartões físicos tem todo o custo de produção e logística de entrega, por isso que normalmente cartões adicionais são cobrados dos usuários.

Então temos um risco de viabilidade de negócio muito alto, o suficiente para justificar um pequeno experimento antes de ir com tudo para a construção do resultado. Da perspectiva de viabilidade técnica também. Imagina ter que implementar um processo de envio de cartões em lote sem mesmo a API do emissor ter essa opção?

Além do combinado comercial de logística dos cartões. Afinal, nenhum cliente precisa receber 100 welcome kits de cartão.

Tínhamos 3 suposições mais arriscadas:

suposições em teste de cultura de experimentação

Parece óbvio, não é? Mas, foi exatamente isso que direcionou a nossa proposta.

Para o cliente, era um pequeno formulário na área de criação de cartões onde ele solicitava a quantidade necessária, após ele recebia uma mensagem que avaliaríamos internamente a solicitação e retornaríamos em até 48h. Ou seja, um processo inteiramente manual. Lembra da velocidade de resultados? É por isso.

case de cultura de experimentação com print do app Conta Simples

E adivinha para quem chegava para processar essa solicitação? Para mim e para a minha Product Designer. A gente conferia pelos logs de requisição via um dashboard na AWS. Foram 50 respostas em poucos dias. E tratamos uma a uma individualmente, na raça.

Com a informação de quem era o cliente, seu perfil de gastos e quantos cartões ele solicitava, avaliávamos a adoção à funcionalidade, a garantia do lucro operacional; e já aproveitávamos para puxar alguns clientes para uma entrevista exploratória para coletar aspectos qualitativos do problema que ele queria solucionar com a funcionalidade.

Ao final do teste respondemos 3 perguntinhas que fazem a diferença na hora da avaliação dos resultados:

  • Nossa hipótese demonstrou-se confirmada ou invalidada?
  • Devemos pivotar, preservar ou matar a ideia?
  • Qual é a próxima hipótese que devemos atacar?

No fim, nossa hipótese demonstrou-se valida da perspectiva da dor do usuário em termos de adoção e da suposição de isenção de taxa. Porém, inválida no sentido da oportunidade de negócio, pois o perfil do cliente que caiu no teste não garantia o lucro operacional exigido.

Veja que a obsessão em garantir as respostas mais rápidas nos deu a vantagem para não termos uma decepção financeira enorme com a implementação da funcionalidade. Isso que eu nem toquei no fato de desperdiçar esforço de desenvolvedores em algo que estaria fadado ao fracasso.

Claro que existiria formas de validar mais hipóteses. Por exemplo, aumentar a capacidade de descobrimento da funcionalidade para tentar atingir outros perfis de clientes, ou já que o perfil que tínhamos na nossa base não contribuiu, não teria como buscarmos outra vertical no mercado e usar como estratégia de aquisição? Ou até mesmo aumentar o tempo do teste em produção?

Você pode ir tão longe quando quiser em um teste. Porém, saber quando desligar as luzes também é uma excelente característica de equipes eficientes em experimentação.

Conclusão

A experimentação é crucial porque ela melhora a nossa habilidade em tomar boas decisões ao refinar a nossa intuição tomando como base os dados objetivos de comportamentos dos clientes.

Porém, saiba que você vai ter que lutar muito caso a sua empresa não tenha essa característica de abraçar os riscos com experimentos.

O fato é que qualquer pergunta pode ser respondida de maneira rápida e barata. Você só precisa desse primeiro case para garantir a confiabilidade dos seus pares.

Eu poderia ter dedicado todo esse texto para falar de frameworks, rotinas e cerimônias de acompanhamento de resultados e comunicação interna. No entanto, acredito que os princípios são muito mais importantes do que o método.

Inclusive, recomendo ter um viés de experimentação do próprio método e criar os seus próprios caminhos. E quando você menos esperar, todas as sugestões e desenvolvimentos vão ser respondidos assim: “Vamos ver de qualé, juntos”.

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