Quem vai falar sobre ESG em produtos digitais?
Victor Hugo Mathias

Victor Hugo Mathias

Sênior Product Manager

7 minutos de leitura

Panorama do Mercado de Produto

A sigla ESG, do inglês Environmental, Social And Governance, (ou seja, Ambiental, Social e Governança) tem sua origem a partir da publicação Who care Wins” (Quem se importa ganha) entre o Pacto Global da Organização das Nações Unidas (ONU), Banco Mundial e endossado por uma aliança de instituições financeiras em 2004. 

A publicação se desenvolve a partir da provocação às grandes corporações sobre como seria possível integrar o ESG à sua estratégia e balanços, inserindo, portanto, temáticas socioambientais em pauta no dia a dia das lideranças.

Alguns dados recentes tangibilizam a proporção que o tema tem ganhado pelo mundo e principalmente dentro dos contextos empresariais:

  • “1200% foi o crescimento da busca pelo termo ESG nos últimos 2 anos, segundo Google Trends”;
  • “95% das empresas brasileiras têm ESG como prioridade em suas agendas, segundo ABERJE”;
  • “48% dos CEOS brasileiros tratam o tema ESG como prioridade máxima, segundo levantamento do IBM Institute for Business Value (IBV)”.

Os números, que em um primeiro momento impressionam, nos influenciam a analisar que estamos em uma sociedade cada vez mais conectada e preocupada com o papel das empresas frente aos grandes desafios socioambientais.

Como isso se traduz na prática?

Na prática as áreas de sustentabilidade, institutos e fundações empresariais, têm sido os principais canais dos últimos anos em termos do investimento social privado das empresas, para contribuir com os desafios socioambientais da sociedade ou mesmo mitigar os impactos negativos gerados pelos seus próprios produtos ou serviços. 

Segundo estudo da SAP (Sustentabilidade na Agenda das Lideranças da América Latina), o Brasil lidera com o maior número de empresas que implementaram estratégias de sustentabilidade (68%), sendo 26% maior que no ano anterior à pesquisa. 

Para além das lideranças das empresas, o levantamento Global Reporting and Institutional Investor Survey, da EY aponta que os investidores estão ainda mais otimistas com os benefícios da adoção de estratégias ESG. Segundo o estudo, 78% dos investidores acreditam que a investir e atender às diretrizes ESG com focos nos negócios é algo que deve existir nas companhias, mesmo que isso possa indicar diminuição de receita ou lucro, a princípio.

Neste contexto, para além das empresas tradicionais, existe um movimento de organizações, chamados Negócios Sociais e Negócios de Impacto Social, que estão aproveitando essa onda, conciliando a atuação empresarial e a geração de impacto socioambiental, buscando atacar os principais desafios da sociedade através de produtos e serviços com modelos de negócio sustentáveis

Apesar de historicamente a atuação socioambiental ser papel do estado ou de organizações da sociedade civil, aqui a provação é outra, pois estamos falando que entre “ganhar dinheiro e mudar o mundo, é possível ficar com os dois”, como bem define a organização pioneira do tema no Brasil, Artemisia

Para se ter uma ideia do tamanho deste movimento, diversas outras organizações também têm contribuído com o fortalecimento destes negócios ao longo dos últimos anos, como a Pipe Social, Quintessa e Yunus Social Business, por exemplo. O mais recente mapeamento de Negócios de Impacto Social da Pipe Social, apontou que existem ao menos 1300 negócios desse perfil espalhados pelo Brasil, sendo 58% na região Sudeste, 16% na região Nordeste, 15% na região Sul e cerca de 10% na região Centro-Oeste ou Norte do país.

O que muda na vida da pessoa de Produto?

Talvez você ainda não tenha identificado a conexão deste tema do seu dia a dia atuando com produtos, ou mesmo entre produtos digitais e sustentabilidade. Mas não se preocupe, afinal, dentro do contexto de produtos digitais há  uma escassez de discussões, fóruns e estudos aliando esses dois temas, mas a ideia deste conteúdo é te provocar a analisar as diferentes possibilidades de conexão entre os mundos.

Podemos compreender esta relação de 2 principais perspectivas. A primeira seria da perspectiva do “como” são feitos os produtos digitais, compreendendo tanto os impactos sociais negativos, pela falta de diversidade, inclusão ou qualidade de trabalho para os envolvidos na “cadeia produtiva” dos produtos digitais. Ou mesmo pelos impactos ambientais negativos gerados pelo consumo de energia, matéria prima ou emissão de gases, tanto pelos servidores utilizados quanto pelos próprios dispositivos como meio para utilização dos produtos digitais ( computador, celular, etc..). 

Por outro lado, a segunda perspectiva seria em relação ao  “o que” os produtos digitais estão buscando construir em termos de valor a ser gerado por seus produtos ou serviços, buscando, portanto, construir produtos ou serviços que possam gerar menos impactos social ou ambiental negativos. Ou ainda, construir produtos ou serviços que gerem, de maneira direta e intencional, impacto social ou ambiental positivos, sendo este último o foco da provocação deste artigo.

Deveria mudar algo no dia a dia de Produto?

Esse é um ótimo ponto e podemos explorar ele juntos. Existem algumas oportunidades que podemos levantar logo de cara, mas muitas ainda que podemos construir e descobrir como comunidade de produto.

Independentemente dos números impressionantes apresentados até aqui, referente ao crescimento das empresas quanto aos princípios ESG, é inegável que a falta de presença destes assuntos no dia a dia dos ambientes que tratam de produtos digitais, gera uma grande preocupação e acende um sinal de alerta.

Se da perspectiva de “como” são feitos os produtos digitais, temos visto (felizmente) iniciativas provocando e fomentando sobre a necessidade de maior diversidade e inclusão nos ambientes de desenvolvimento de produto digitais (aproveito aqui para destacar a atuação de organizações como Programaria, Laboratória, Reprograma, Resilia, Vai na Web, +1code, entre outras). Por outro lado, da perspectiva de que os produtos digitais podem gerar de valor social e/ou ambiental, ainda existe muito espaço, oportunidade e acima de tudo necessidade para se fomentar essa discussão.

Para nós, produteiros e produteiras, existe muito espaço e oportunidade para inserirmos algumas provocações no nosso dia a dia, e isso poderia nos ajudar a compreender como contribuímos (ou não) para uma sociedade mais justa ou um mundo melhor:

  • Será que “o que” fazemos estaria gerando impactos negativos? 
  • Será que o “como” fazemos pode ser uma forma de gerar impacto?
  • Nossas metas aprofundam ou diminuem as desigualdades sociais?
  • Quais indicadores do produto eu poderia acompanhar para compreender se eu estou ampliando acesso à oportunidades para públicos diversos (raça, gênero, renda)? 
  • Entre outras…

Por onde começar?

Responder estas e muitas outras perguntas não é uma tarefa fácil e muitas vezes não depende só do time de Produto para obter as respostas ou mesmo poder transformar uma solução simplesmente inspirada por elas. Porém, algumas boas provocações, vontade de inserir esses desafios no seu dia a dia e até mesmo utilizar alguns frameworks do mundo da sustentabilidade, podem render novas reflexões e aprendizados, mudanças de perspectiva interessantes e, quem sabe, de quebra, gerar impacto positivo por meio do seu produto. 

Nos próximos artigos, a proposta será de materializar sobre como produtos digitais podem contribuir de maneira direta nesses desafios, gerando valor socioambiental, por meio de alguns casos de negócio. A ideia dessa série está para além de trazer “novas verdades” para o contexto de produto, mas sim, fomentar novas discussões na rotina dos times de desenvolvimento de produtos digitais, seja você produteiro(a), designer ou desenvolvedor(a).

Afinal, quem, se não você, vai falar sobre ESG e o impacto socioambiental em produtos digitais no seu contexto de trabalho?

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