Fit for Purpose (F4P): framework para focar no propósito do cliente
Bruno Mata

Bruno Mata

14 minutos de leitura

Este artigo é um resumo sobre o Fit for Purpose (F4P), um framework que tive o prazer de conhecer em um curso com o Rodrigo Yoshima, CEO da Aspercom.

Como o próprio título indica, o framework F4P cumpre a missão de tornar mais prático o “foco no cliente”, tão falado na comunidade de Produto. Ele ensina como encontrar, satisfazer e manter clientes no mundo atual. Logo, sua aplicação é muito valiosa e vasta.

Pouquíssimas pessoas conhecem essa ferramenta, inclusive talvez você seja a primeira pessoa da sua empresa a ouvir falar (e isso é bom!). Por isso, leia com atenção e obtenha seus próprios insights!

Fit For Purpose (F4P)

Como você viu na imagem acima, Fit for Purpose não é um assunto linear, o que pode proporcionar dificuldade na hora de aprender. Para facilitar isso, vou dividir sua leitura em algumas partes:

  • Como surgiu o Fit for Purpose
  • Conhecendo seus clientes
  • Conhecendo os componentes do produto
  • Metrificando e melhorando continuamente

Vamos lá?

Como surgiu o Fit for Purpose?

F4P é uma solução criada por David Anderson e Alexei Zheglov, que surgiu com a necessidade de respondermos algumas perguntas, como por exemplo:

  • Como sabemos se uma mudança for realmente uma melhoria?
  • Por que os clientes escolhem a sua empresa? Ou o contrário, por que os clientes escolhem os concorrentes?
  • O que os clientes realmente valorizam?

Bom, é muito provável que ao tentar responder essas perguntas suas respostas tenham bastante incerteza e achismos. E, no final do dia, não importa a minha ou a sua opinião sobre algo, importam somente os fatos.

Porém, não espere que o F4P dê a você respostas prontas, ou te ensine um caminho mágico. Não será assim, ele vai te dar um caminho e algumas técnicas para você mesmo encontrar suas respostas. Vamos entender melhor a seguir.

Conhecendo seus clientes

A primeira coisa é conhecer para quem trabalhamos. Ora, como você vai ter foco no cliente se não o conhece? Como vai satisfazê-lo se não sabe suas necessidades? Como vai montar o seu produto ou investir em marketing se não entende o que o cliente busca? É impossível!

Na verdade, até dá para fazer essas coisas sem conhecer seus clientes, mas você estará em um “voo às cegas”, gerando consequências cruéis para sua empresa: perder dinheiro e ganhar detratores. A grande questão do Fit for Purpose, então, é gerar um “fit” entre o que o cliente busca e o que você oferece.

Mas e agora? Como fazer?

Bom, o F4P não impõe um passo a passo rigoroso do que você precisa fazer. Mas, para ser mais didático, vou precisar tratar o assunto de uma forma mais linear.

Entenda as motivações dos clientes

Existem 2 maneiras de entender as motivações dos clientes:

  • Conhecimento de campo;
  • Pesquisas e levantamento de dados.

Não necessariamente uma é melhor que o outra, isso vai depender do seu contexto.

Vamos utilizar um exemplo para entender o conhecimento de campo. Imagine que está observando uma empresa de grande porte e multinacional, como o McDonald’s. São vários níveis hierárquicos, vários cargos, milhares de funcionários e infinitos processos. Na hora de definir um novo produto ou um conjunto de melhorias prioritárias para o produto atual, quem você acha que participa da discussão?

A) funcionários do front, que atendem inúmeros clientes todos os dias, ouvindo seus pedidos e suas reclamações;

B) Gerentes e diretores que não falam com nenhum cliente no seu dia a dia, mas cuidam da operação interna;

C) Funcionários de social media, que conversam com clientes todos os dias, interagindo em diversos contextos.

Bom, eu e você sabemos que em 99% dos casos quem toma essas decisões são os executivos que não tem nenhum conhecimento sobre o cliente, apenas achismos.

Sendo assim, o conhecimento de campo, é uma das 2 formas de entender os “porquês” dos clientes, propondo uma aproximação entre o “frontline staff” e o processo de definição da estratégia de produto. Isso considera que os funcionários da linha de frente são as pessoas mais habilitadas a trazer uma visão realista dos clientes.

O outro jeito de entender os “porquês” dos clientes é via pesquisa/dados. E, felizmente, o F4P framework possui ferramentas interessantes para isso.

F4P Card

Um estilo simples de pesquisa que você pode aplicar com seus clientes, na jornada pós-compra/uso do produto.

F4P Card

É lógico que a equipe de Product Design, UX Design e UX Writing podem melhorar bastante esse conteúdo, mas isso é só uma ilustração.

O grande propósito do F4P Card é colher os motivos pelos quais o cliente te escolhe (“critério de adequação”, ou Fitness Criteria), o quanto suas motivações foram supridas pelo seu produto/serviço (em uma escala de 0 a 5) e uma explicação para as notas atribuídas.

Vamos a um exemplo?

Você trabalha no Burger King, que atende milhares de clientes todos os dias em seus estabelecimentos e delivery. Se cada cliente que saísse da loja ou concluísse uma compra pelo delivery recebesse uma pesquisa no estilo do F4P Card em seu celular, teríamos um levantamento gigantesco das razões pelas quais os clientes escolhem o Burger King e o quanto suas expectativas são atendidas.

Esse levantamento de dados via pesquisa gera uma inteligência enorme, uma vez que você vai saber os critérios de adequação mais relevantes para os seus clientes e como você está em cada um deles. Esse resultado pode ser representado por meio do modelo Fitness Box Score.

Fitness Box Score 

Uma representação rápida e simples dos resultados de uma pesquisa que usa a lógica dos F4P Cards.

O Fitness Box Score acima é medido de forma geral, ou seja, está olhando para todos os critérios ao mesmo tempo. Mas, você pode facilmente manipular os dados para mostrá-los separados por critério também.

A partir disso, você pode posicionar os critérios de adequação na matriz abaixo, que te orienta sobre o que fazer a seguir.

  • Se (1) “comida gostosa” é um critério que seus clientes geralmente respondem, (2) você considera isso coerente para sua estratégia de marca e (3) os clientes se mostram satisfeitos, o próximo passo é “manter, estimular e aprimorar” essa “comida gostosa” no serviço do Burger King;
  • Agora, se (1) “preço justo” é um critério que os clientes também respondem com frequência e (2) estão satisfeitos, mas você (3) não considera isso coerente para a sua estratégia de marca, é interessante ajustar o preço, cobrando um pouquinho mais caro.

“Ah, mas aí os clientes que compram por um preço mais barato vão ficar chateados”. Sim, eles vão. E essa é uma consequência aceitável, porque nós não queremos agradar todo mundo, queremos agradar quem está no alvo de nossa estratégia.

Recapitulando, o primeiro passo é entender seus clientes é conhecer suas motivações. Você pode fazer isso por meio do conhecimento de campo ou via pesquisas, usando F4P Cards e Fitness Box Score.

Segmente de acordo com a motivação de compra

Se você já trabalhou com personas em algum momento, vou te pedir mais atenção nessa parte, porque vou tentar quebrar alguns paradigmas que você possui (ou pelo menos te incentivar a questioná-los).

Talvez, boa parte das pessoas que estão lendo este artigo já tenham visto aquele modelo de persona padrão, que contempla informações como idade, gênero, onde trabalha, onde mora, família, renda mensal, hábitos, dores e comportamentos.

Isso é até interessante, mas quero fazer uma provocação: segmentar por características demográficas/geográficas vai ser mais valioso mesmo?

Vamos pensar em 2 exemplos:

Exemplo 1

A mesma pessoa pode comprar o seu produto por motivos completamente diferentes. Imagine uma pessoa X, que vai fazer uma obra em sua casa.

Em uma primeira situação, essa pessoa planeja construir a médio prazo um quarto para o seu futuro filho que pretende ter daqui a 4 anos. Essa pessoa vai aproveitar para comprar os materiais necessários com antecedência.

Essa pessoa escolheu a Leroy Merlin (uma loja que vende materiais de construção e decoração), por exemplo. Suas motivações principais foram: qualidade e variedade.

Em uma segunda situação, essa mesma pessoa foi ao médico e descobriu que já estava grávida de 5 meses. Então, ela precisa comprar as coisas às pressas, porque o bebê não teria um espaço adequado na casa. Essa mesma pessoa, que também escolheu a Leroy Merlin, teve motivações de compra muito diferentes: preço baixo, velocidade de entrega e serviço de instalação.

Percebe que se você fizer marketing e melhorar seu produto/serviço com base nas características demográficas/geográficas seria pouquíssimo efetivo? A mesma pessoa pode escolher ou não você por motivos completamente diferentes!

Então, o mais importante não é a cor da pele, a idade, o bairro ou onde ela trabalha. Mas sim os motivos que a fizeram comprar e como isso conversa com sua estratégia.

Exemplo 2

Pessoas completamente diferentes podem comprar seu produto pelo mesmo motivo.

Pegando um gancho no exemplo 1, vamos supor que uma pessoa X e uma pessoa Y querem montar um quarto a médio prazo para o seu futuro filho.

Uma dessas pessoas é da Zona Norte do Rio de Janeiro, é casada, corre pela manhã, tem hábitos alimentares saudáveis e adora pets. A outra pessoa é da Zona Sul de São Paulo, é solteira, não gosta de atividade física e odeia pets.

É super possível que, já que estão na mesma situação, embora sejam pessoas diferentes, comprem pelo mesmos motivos de qualidade e variabilidade. Ou, se as pessoas X e Y precisarem de uma obra de emergência, comprem pelos mesmos motivos de preço baixo, velocidade de entrega e serviço de instalação.

Então, o que o F4P propõe é que você olhe com mais carinho para o customer purpose do que para outras coisas, porque assim você vai de fato conhecer seus clientes.

Ah, e antes de fechar esse bloco, acho que é válido eu te dizer que, na visão do F4P, existem critérios de adequação comuns:

  • Time do Market: quanto tempo dura o consumo da solução, quanto tempo leva pro cliente receber a solução e a previsibilidade desse tempo.
  • Conveniência: disponibilidade do serviço/produto no momento que o usuário precisa (conveniência temporal), disponibilidade no canal de comunicação ideal pro usuário (conveniência de comunicação) e disponibilidade do serviço/produto perto de onde o cliente está (conveniência geográfica);
  • Acessibilidade: o quão acessível o seu serviço/produto financeiramente é (não falamos sobre diminuição de preço, mas sobre torná-lo acessível ao cliente);
  • Qualidade: correspondência entre o que foi contratado e o que foi entregue (qualidade funcional – ex.: você pediu uma pizza de calabresa e veio uma pizza de presunto) e o quão bem o produto/serviço que foi contratado desempenhou (qualidade não funcional – ex.: o queijo da pizza veio frio e a calabresa sem gosto);
  • Segurança/Conformidade: se o produto está de acordo com regras de segurança dos órgãos reguladores (ex.: se o produto é um alimento, precisa estar de acordo com as regras da Anvisa);
  • Opcionalidade: o quão maleável é o produto/serviço comprado (ex.: se eu comprei um celular, posso configurá-lo para ter um melhor desempenho em fotos, jogos ou filmes, porque eu como usuário não quero precisar ter mais de um produto).

Essa lista mostra os critérios de adequação comuns, mas você pode criar novos critérios de acordo com o feedback dos seus clientes, e pode ser que alguns desses critérios da lista não façam sentido para o seu negócio ou que o seu cliente não os valorize.

Conhecendo os componentes do produto

Outra proposta do Fit for Purpose é entender um produto/serviço como uma junção de 3 componentes:

  • Design: idealizar e comunicar o que vai vender (o que o produto/serviço se propõe a ser);
  • Implementação: implementar o que idealizou (o que o produto/serviço é);
  • Entrega de serviço: entregar o que implementou (experiência do cliente ao consumir o produto/serviço).

Para facilitar, vou dar um exemplo da empresa na qual trabalhei, a ACCT Global.

A ACCT Global é uma empresa focada em construir e melhorar e-commerces, visando trazer grandes resultados para o negócio do cliente (design).

Para isso, a ACCT conta com uma organização em programas e projetos, com times multidisciplinares altamente capacitados e com skills de produto, desenvolvimento de software, teste, experiência do usuário e análise de dados (implementação).

Na prática, os projetos são executados de forma iterativa e incremental, proporcionando entregas recorrentes e valiosas ao cliente, pelo menos a cada sprint de 2 semanas. Além disso, a comunicação entre o time e o cliente é aberta e frequente (entrega).

Percebe que o sucesso da ACCT Global depende desses 3 fatores?

Se o meu cliente apresenta um propósito X e eu apresento um design que não possui fit com isso, não vou atraí-lo.

Se o meu design teve fit com o propósito do meu cliente, mas na hora de implementar eu montei um time pouco capacitado ou com skills pouco diversas, ele não vai gostar e possivelmente não vai fechar contrato.

Se a minha implementação correspondeu à expectativa, mas no dia a dia do projeto nada é transparente para o cliente, eu também não vou atender ao propósito dele.

Então, sempre que você for trabalhar em algum produto/serviço, analise seus 3 componentes, porque abrir mão de algum deles é assumir um grande risco de fracasso.

Metrificando e melhorando continuamente

No nosso último passo, o Fit for Purpose propõe um uso mais inteligente das métricas, segmentando-as em 4 grupos distintos e fornecendo algumas orientações. Os grupos são:

Fitness Criteria

É muito comum que quando perguntamos à uma empresa quais são seus Key Performance Indicators (KPIs) a resposta seja uma quantidade gigantesca (e irrelevante) de métricas. O Fit for Purpose propõe que você coloque no grupo dos KPIs apenas os critérios de adequação, porque eles sim são relevantes para o seu cliente.

Por exemplo, margem de lucro é um KPI? Bom, não deveria ser, porque quem sustenta a empresa (o cliente) não dá a mínima importância sobre quanto é sua margem. Isso não quer dizer que ela não seja importante, porque ela é, mas não deve ser o foco, porque é uma consequência, e não a causa.

Alguém por acaso escolheu próprio carro pela quantidade de margem de lucro da empresa? Alguém escolheu o próprio banco pelo faturamento do último ano? Quando você escolhe um restaurante, você está preocupado em quanto ele teve de lucro bruto no último trimestre?

A resposta muito provavelmente é um sonoro NÃO em todas as perguntas. Logo, a proposição de focar esforços em trabalhar os critérios de adequação é bem interessante.

Agora, preste atenção, se você for um banco ou uma corretora de investimentos, os seus clientes podem utilizar o lucro como critério para te escolher, ou seja, o lucro é um critério de adequação. Então, uma observação necessária é: uma mesma métrica pode pertencer a diferentes grupos, dependendo da natureza do negócio.

Health Indicators

Indicadores que são agrupados aqui possuem uma importância significativa para o negócio, portanto, merecem um acompanhamento constante, para garantir que a empresa sobreviva e desempenhe bem.

Por exemplo, para uma empresa de eletrônicos, a satisfação dos funcionários, a receita líquida e a quantidade de produtos vendidos são Health Indicators.

Improvement Drivers

São KPIs ou Health Indicators que precisam de uma melhora específica (uma meta a ser atingida) em um prazo determinado.

Por exemplo, para um restaurante de alto padrão, a apresentação do prato certamente é um KPI (Fitness Criteria), mas, essa métrica pode temporariamente migrar para o grupo de Improvement Drivers, supondo que os clientes estejam extremamente insatisfeitos. Corrigido o problema, ela volta para o grupo dos KPIs.

O mesmo raciocínio se aplica para métricas que originalmente estavam no grupo de Health Indicators.

Se você trabalha com o framework OKR (Objectives and Key Results), eles estão aqui nessa categoria! Mas, atenção, nem todo Improvement Driver é um KR, mas todo KR é um Improvement Driver.

Vanity Metrics

São métricas que geralmente proporcionam um conforto emocional a um grupo de pessoas, mas que não devem ser utilizadas para tomar decisões estratégicas para o produto/serviço.

Por exemplo, se você está gerindo um e-commerce, o tempo que o usuário permanece na home ou em alguma página institucional é irrelevante, mas eventualmente pode confortar algum executivo da companhia que se apegou à métrica.

Conclusão

Acredito que eu tenha conseguido passar pelos pontos mais importantes do Fit for Purpose (F4P) nesse artigo, por isso até sugiro salvá-lo para consultas futuras.

Apesar de ser uma ferramenta muito interessante, vale lembrar que você não precisa parar de utilizar tudo que já utiliza hoje para usar o Fit for Purpose (F4P). É melhor começar devagar, fazendo alguns experimentos e adaptando a teoria ao seu ambiente.

Espero que as dicas tenham feito sentido para você. Até a próxima!

Referências

É óbvio que esse conhecimento que expus no artigo veio de algum lugar, então nada mais justo que dar crédito às ótimas fontes que utilizei:

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