Como a experiência acadêmica pode aprimorar sua carreira de PM
Renata de Lima

Renata de Lima

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Nem todas as jornadas em tecnologia e produto são lineares ou seguem aquele script tradicional de estagiário, assistente, júnior, e assim por diante. Aqui no blog, na série PM3 Stories, você pode encontrar diversas histórias de migração e transição de carreira muito interessantes que podem servir de inspiração. 

Algumas dessas pessoas também passaram por uma fase importante em sua formação que muitas vezes não é mencionada como uma fonte de habilidades para a carreira em produto. Nesse caso, estou falando sobre a carreira em pesquisa acadêmica que inclui as pessoas que são alunas e ex-alunas de mestrado e doutorado. 

Você já deve ter ouvido falar por aí que cursos de mestrado e doutorado não preparam profissionais para o mercado de trabalho e que na maioria das vezes, caso você não queira seguir uma carreira na pesquisa ou na docência, fazer um curso Stricto Sensu pode ser perda de tempo. 

Eu até concordo que, se o seu objetivo é se candidatar ou fazer transição para um papel de produto, um curso acadêmico não deveria ser seu primeiro passo. Mas, e para aquelas pessoas que estão concluindo ou já concluíram cursos de mestrado ou doutorado e que pretendem buscar uma vaga como pessoa de produto? É correto dizer que elas não desenvolveram nenhuma competência necessária para essa área? 

Bom, a minha trajetória profissional passou por esse momento de dedicação exclusiva à pesquisa acadêmica e posso dizer que, particularmente, diversas vezes pensei que aqueles quase 3 anos de mestrado foram jogados fora, ou me senti insegura entrando no mercado com um alto nível de formação acadêmica, mas com quase zero experiência prática.

De fato, o principal objetivo dos cursos de Pós-graduação Stricto Sensu (mestrados e doutorados) é formar pessoas pesquisadoras científicas e acadêmicas, com foco em docência e muitas vezes sem nenhuma conexão com o mercado. Mas refletindo um pouco, é possível perceber que algumas habilidades desenvolvidas pela prática da pesquisa podem sim ser importantes para profissionais de produto. E nesse artigo, quero mostrar 5 delas e explicar como é possível adaptá-las às demandas da carreira de Produto. 

1. Autonomia no aprendizado

Uma das primeiras lições que se aprende ao chegar na pós-graduação é que “acabou a mamata” – não vai mais ter professor cobrando leitura, entregando conteúdo ou dando diversas chances de aprendizado como geralmente acontece na graduação, e nesse momento é preciso assumir a autonomia no seu aprendizado. 

No mestrado foi possível aprender não só a organizar melhor os conteúdos de leitura e estudo, mas também a encontrar os melhores materiais na internet, e a extrair o melhor deles. Logo nas primeiras semanas, lembro que minha orientadora me deu algumas dicas de como encontrar os materiais de pesquisa e depois fui descobrindo e redescobrindo ferramentas de busca e os repositórios mais interessantes de acordo com o momento da pesquisa. Pois, uma segunda lição aqui, nem todo bom material vai fazer sentido pra você.

No mercado, essa capacidade de saber encontrar o material de estudo certo por conta própria, conseguir extrair o melhor dele, e ter autonomia para aplicar os conhecimentos no seu dia a dia é algo de muito valor. Você pode até ter pessoas mentoras que vão te direcionar para um caminho, sugerir cursos ou leituras, mas só você vai poder fazer a melhor escolha sobre o que faz mais sentido para seu momento de aprendizado. 

Pessoas de produto são naturalmente curiosas e estão sempre em busca de conhecimento. Porém, ser autodidata e saber a forma certa de encontrar boas fontes de estudo fazendo boas conexões entre essas fontes é um requisito essencial para profissionais que buscam crescimento constante, principalmente em uma área tão competitiva como a de Produto.

2. Saber escolher o problema certo

O primeiro desafio em um programa de pós-graduação é conseguir encontrar um problema de pesquisa relevante. Na maioria dos cursos, este problema de pesquisa precisa ser algo conectado aos temas de conhecimento da sua pessoa orientadora, precisa ser algo que você goste de estudar (pois você passará muito tempo dedicado a isso) e ainda, muitos programas exigem que seja algo inédito. 

No mundo da pesquisa acadêmica existem diversas metodologias, livros e referências que ensinam como identificar, delimitar e escrever um problema. Mas pouquíssimas fontes ensinam como escolher o problema certo, porque isso você só aprende fazendo, errando, mudando de problema, trocando ideia com a orientadora, experimentando, mudando de problema de novo até que enfim se chega em algo suficiente para aprofundar sua pesquisa.

No universo de produto, resolver problemas faz parte do dia a dia. Entender e definir um problema, escolher o problema certo para atacar em determinado momento e a partir dali começar a traçar hipóteses e experimentos para encontrar a melhor solução são práticas essenciais. 

A base acadêmica ajuda a entender melhor o passo-a-passo, a identificar oportunidades, a confiar na experimentação e principalmente uma lição importante: às vezes, durante a experimentação, você descobre que seu problema não é tão problema assim, ou descobre que alguma solução que você se dedicou muito para desenvolver não tem tanto valor como você imaginava, e nesses momentos é preciso desapegar das suas hipóteses e suposições e reiniciar todo o processo do zero.

3. Ser empirista

Uma das abordagens mais usadas na pesquisa acadêmica é a Pesquisa Empírica, que nada mais é do que uma metodologia de pesquisa baseada na comprovação prática de uma determinada condição. Pode ser feita por meio de uma pesquisa de campo onde busca comprovar alguma hipótese por meio de observações, coleta de dados e experimentos. 

Para a minha dissertação de mestrado, a coleta de dados se deu por meio de um estudo de caso onde um time de desenvolvimento de sistemas simuladores militares avaliou a qualidade, usabilidade e efetividade de um processo para gerenciamento de requisitos que definimos através de experimentação e pesquisa teórica. 

A experimentação e o estudo de caso foram as etapas mais empolgantes da pesquisa, pois foi possível entender o valor da cultura de experimentos para provar hipóteses de pesquisa e o poder do feedback do usuário para contribuir com a melhoria contínua.

A cultura de experimentação no desenvolvimento de produto possibilita que o time teste ideias de solução, valide hipóteses e aprenda rápido por meio da observação de comportamentos ou feedback dos usuários e clientes. Também influencia para que o time de produto não “se apaixone” por uma ideia que muitas vezes só é provada sem valor lá na frente depois da entrega em produção. 

Entender a cultura de experimentos, saber criar hipóteses e definir as principais suposições relacionadas a uma ideia de solução para um problema também é uma capacidade muito requisitada na área de produto que com certeza a pesquisa acadêmica pode ajudar a lapidar.

4. Escrever para comunicar

Ao contrário do que muitas pessoas pensam, escrever não é uma habilidade inata, somente atribuída àqueles que “gostam de escrever” ou “tem o dom da escrita”. Pelo contrário, escrever é uma aptidão que pode ser treinada e aprimorada e a pesquisa acadêmica é um ótimo laboratório para isso. 

Primeiro, porque ninguém termina um curso de pós-graduação sem escrever muito, você precisa resumir os anos de pesquisa em algumas páginas, de forma objetiva e informativa para que sua pesquisa tenha valor para aquela comunidade acadêmica a qual ela pertence. 

Definitivamente isso não é uma tarefa fácil, mas aprender sobre o processo de escrita e desenvolver a prática de sintetizar ideias e dados de forma clara e sucinta para comunicar seus resultados é uma habilidade importante e que pode ser treinada, mesmo para aquelas pessoas que acreditam não ter nenhuma facilidade de escrever.

Pessoas de produto não necessariamente são responsáveis por escrever documentação, mas alguns profissionais da área, principalmente Product Managers, precisam saber como comunicar a visão do produto, a estratégia, os objetivos e resultados esperados para o time e para os stakeholders – e a melhor forma de comunicar (principalmente quando atuando em times distribuídos ou no cenário remoto) é por meio da escrita. 

Documentar parte da sua rotina de reuniões, manter notas, relatórios, follow-ups, escrever e-mails, documentos de estratégia, user stories ou documentos de requisitos são tarefas fundamentais para o sucesso do produto e colaboração do time. 

Li em um post no Instagram da PM3 dia desses que “comunicação clara, concisa e estruturada resolve 50% (ou mais) dos problemas“, e complemento dizendo que comunicação escrita clara, concisa e estruturada é realmente um diferencial. E mesmo que a agilidade nos leve para uma ideia de ter cada vez menos documentação, a escrita objetiva se torna ainda mais necessária nesse contexto.

5. Feedback e melhoria contínua

Pesquisadores científicos são motivados e impulsionados a publicar artigos, seja em congressos, simpósios, revistas científicas, livros etc. Na maioria das vezes, as bancas de avaliação são extremamente rigorosas e um artigo raramente é aprovado de primeira em um evento ou revista com um qualis alto. Aprender a usar as revisões dessas bancas como input para melhoria contínua dos seus trabalhos é uma prática incrível que exige paciência e um pouco de humildade.

Trabalhar com desenvolvimento de produtos “é sobre isso”! Pois desde o início você precisa estar aberto e atento ao feedback do seu time, dos stakeholders, dos seus clientes e principalmente dos usuários para conseguir evoluir e melhorar não só as funcionalidades do produto, mas também para aprimorar os processos que você utiliza para desenvolver este produto e melhorar suas próprias capacidades como profissional.

Conclusão

Então, para você que está fazendo ou já concluiu um curso acadêmico e tem vontade de se inserir no mercado, trabalhar em grandes organizações ou startups e frequentemente ouve aquela voz dizendo que “você está perdendo seu tempo fazendo pesquisa acadêmica”: espero que esses pontos te ajudem a perceber que nenhum conhecimento é perda de tempo e principalmente, te ajudem a encontrar a melhor forma de desenvolver as habilidades que o mercado procura, dentro do seu contexto e experiências atuais.

Para você, pessoa recrutadora ou gestora, que por vezes deixa de dar oportunidade a uma pessoa sem experiência de mercado, recém saída da academia: reavalie a forma que você analisa as capacidades necessárias para cada papel, por trás de uma pessoa mestre ou doutora sem muita experiência, pode existir uma excelente profissional.

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