A prática de Customer Development: entrevista com Cindy Alvarez
Gabriel Werlich

Gabriel Werlich

7 minutos de leitura

Aqui quem fala é o Gabriel Werlich, Head de Produto na Involves. Quando me perguntaram se eu topava escrever algumas perguntas para a Cindy Alvarez, minha resposta foi óbvia.

Antes das perguntas, eu revelei para a Cindy que fazer esta entrevista foi uma viagem no tempo para mim. Foi o livro dela que me guiou enquanto eu falhava com minha startup, e isso foi fantástico! Eu fiquei vidrado em gestão de produtos e eu sinto que minha carreira começou com o pé direito por causa dela.

Cindy Alvarez é uma das maiores referências mundiais quando se trata de entender profundamente usuários e suas necessidades. Ela escreveu um livro fantástico sobre isso, que é o Lean Customer Development: Build Products Your Customers Will Buy. É formada em Psicologia por Harvard e atualmente é Diretora de Customer Research no GitHub, sendo que já passou por empresas como Microsoft, Yammer, Kissmetrics e Yodlee.

Eu recomendo o trabalho e o conteúdo dela para qualquer pessoa do universo de Produto, seja para quem está entrando ou para quem já faz parte dele. 

Agora em dezembro, a Cindy Alvarez estará entre os keynotes do Product Camp 2021 (dias 7 e 8), além de participar como instrutora de um workshop exclusivo na tarde do dia 6. Aproveite os últimos ingressos e garanta o seu aqui!

Keynotes Product Camp 2021

Gabriel:

Seu livro fala muito sobre “sair do prédio” e falar com as pessoas. Existem até imagens de como é um calendário para que as pessoas consigam realmente entender como marcar entrevistas. O que te levou a preparar o conteúdo de um jeito tão “pé no chão”?

Cindy:

Eu escutava continuamente das pessoas que elas tinham exatamente as mesmas frustrações. Elas amavam os insights que estavam ouvindo, mas a logística de recrutamento, agendamento e planejamento estavam criando tanta fricção que elas não estavam conseguindo aprender tanto quanto gostariam com os clientes.

Eu fazia palestras para incubadoras de startups ou grandes empresas e todo mundo queria aprender táticas. “Como eu posso começar a fazer isso amanhã?” Para mim, esse é o maior elogio que as pessoas podem dar ao meu livro — que elas conseguiram usar o conteúdo imediatamente para colocar Customer Development em prática. 

Gabriel:

Falando sobre o mundo real e em todos os detalhes específicos, você escreveu um capítulo que tem aquela frase famosa do Mike Tyson, sobre tomar um soco na boca. O que eu queria perguntar é: o que você acha que as pessoas entendem errado quando elas saem da teoria e vão para a prática de entender os clientes de forma profunda?

Cindy:

Entender seus clientes de forma profunda geralmente exige passar da primeira resposta para chegar nas respostas “reais”, para chegar no por quê. É muito comum que as respostas dos clientes façam sentido superficialmente, mas não sejam precisas. E muitas vezes isso não é de propósito! Mas, quando uma pessoa de Produto escuta “é muito caro” ou “isso não parece ter tanto valor”, essas razões parecem reais. 

E aí o time começa a mexer com a precificação ou adicionar funcionalidades, e depois descobrem que essas mudanças não resolvem os problemas essenciais. Leva tempo até os times aprenderem a dizer “me fale mais sobre isso” repetidamente, para só então chegarem à raiz do problema.

Gabriel:

Agora eu queria perguntar algumas coisas sobre os passos do processo. No primeiro capítulo, você mergulha em uma questão importante: empresas têm resistência de conversar com seus clientes de uma maneira significativa. Você já se viu em uma situação na qual você tinha que explicar essa parte do trabalho de Produto e as pessoas disseram “ah sim, nós fazemos entrevistas de requisitos”?

Qual sua estratégia para desconstruir outras formas de fazer pesquisas com usuários e partir para Customer Development?

Cindy:

Recentemente eu não tenho ouvido muito isso, o que é ótimo. Isso significa que mais empresas estão em um nível de maturidade maior quando se trata de entender os clientes. Eu costumava ouvir isso frequentemente, e eu tenho vários conjuntos de slides nos quais dou exemplos do que você pode e o que não pode aprender com testes de usabilidade, grupos focais, pesquisas, testes A/B e pesquisa de mercado. Todas são ferramentas valiosas, quando usadas na hora certa e no nível de maturidade certo para a empresa. Nenhuma delas é boa para o que você precisa aprender em Customer Development.

Gabriel:

Eu tenho a sorte de poder trabalhar com várias pessoas que começaram suas carreiras em Product Management e percebi que entrevistas com usuários sempre são desafiadoras, de maneiras diferentes. Um grande Product Manager que conheço me disse que levou anos até que ele estivesse confortável de verdade fazendo entrevistas. Para algumas pessoas a parte difícil é ficar em silêncio, para outras é criar perguntas sem viés ou fazer anotações. 

Qual sua dica para pessoas que estão começando? Como elas podem aprender rápido e passar pelo desconforto? O desconforto já foi embora pra você?

Cindy:

Eu encorajo as pessoas a fazerem sua primeira entrevista o mais rápido possível, antes mesmo de se sentirem prontas. E eu falo para elas: “você vai sentir que está fazendo isso mal — e é normal, tudo bem!”

Eu descobri que alinhar as expectativas e tranquilizar é o melhor tipo de conselho que posso dar. E claro, acompanhar alguém com mais experiência também ajuda muito. Eu convido as pessoas para tomarem notas enquanto entrevisto. Isso permite que, de forma orgânica, elas observem e peguem dicas que elas podem incorporar na prática. 

Nesse ponto eu me sinto muito confortável fazendo entrevista de Customer Development com pouca preparação, mesmo em um domínio no qual tenho conhecimento limitado.

Mas eu ainda acho elas cansativas! Quatro entrevistas em um dia é meu limite.

Gabriel:

Vieses cognitivos, desde fazer perguntas até interpretar respostas, compõem uma grande parte dos desafios do mundo de Produto. Como você acha que as pessoas deveriam se preparar para lidar com isso? Quais são suas dicas para este tópico tão difícil?

Cindy:

A melhor defesa contra vieses cognitivos é saber que eles existem e em quais situações e perguntas eles são mais propensos a surgir. Provavelmente minha talk mais popular é “Vieses Cognitivos: As perguntas que você não deveria estar fazendo“, que eu dei no evento Mind the Product 2018. Estou bastante satisfeita com os exemplos claros e as alternativas que consegui compartilhar na ocasião.

Gabriel:

Eu não sei se é um viés ou simplesmente uma crença de algumas pessoas: elas descobrem muitas coisas, enquadram seus desafios, mas ficam presas no processo de entrevistas, buscando mais garantias. Qual sua visão sobre esse comportamento?

Cindy:

É muito tentador querer reduzir a incerteza! Geralmente eu falo para as pessoas que o número “certo” de entrevistas é quando elas começam a ouvir as mesmas coisas repetidamente. Se um time não está começando a ouvir algo com tendência, muitas vezes significa que eles estão entrevistando uma audiência muito diversa de clientes e que deveriam focar em um segmento mais específico para começar.

Gabriel:

Você lançou o seu livro há 7 anos atrás. Você acha que algo mudou no cenário de desenvolvimento de Produto? É uma pergunta estranha, mas você acha que seu livro é menos, igualmente, ou mais necessário do que quando o escreveu?

Cindy:

A maior mudança que eu vi foi que raramente preciso convencer times a fazer Customer Development, pois eles sabem que eles precisam. Quando eu falo com times e dou workshops, é muito mais sobre reduzir fricção e construir em cima dos processos de desenvolvimento de produto que já existem. Dito isso, eu acho que o livro é igualmente relevante hoje porque os times ainda estão passando por esses problemas de iniciação/fricção.

Gabriel:

Qual é o pior conselho que, na sua opinião, as pessoas recebem sobre Customer Development? Aquele conselho que você gostaria de dizer para todos “por favor, não façam isso”.

Cindy:

Por favor, por favor, não confunda Customer Development com “feedbacks não solicitados de clientes/usuários”. O que os clientes colocam em fóruns de feedback, falam para o seu time de vendas ou colocam em uma pesquisa, geralmente tem alguma verdade. Mas isso também não pode ser encarado como a verdade absoluta. 

Pessoas de Produto precisam dirigir a conversa, elas precisam observar, questionar e aprofundar. Uma vez eu conheci um Product Manager que tinha como trabalho principal fazer triagem de feedbacks do UserVoice. O time dele tinha um SLA para responder cada feedback dentro de 48 horas — que depressivo! Que desperdício de tempo e que fonte de informação enviesada!

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